Wagner Geribello, mar/abr de 2005
Boca no trombone
Nesta edição, a coluna foge do padrão. Ao invés de focar o comportamento de um ou alguns veículos midiáticos, como sempre faz, faz agora diferente, colocando na berlinda a grande imprensa nacional, como um todo, excetuando raríssimas e desprezíveis exceções e bate palmas calorosas para as publicações e emissoras que cerraram fileiras e caíram de pau sobre as intenções espúrias da politicalha interessada em auto-reajustar seus salários.
Fazia tempo a gente não via a mídia fechar com a opinião pública com tanta sintonia e esticar o dedo na direção de oportunistas travestidos de políticos, fazendo ver e ouvir que já estamos até a tampa das malandragens de politiqueiros e desmandos da politicagem.
Em um evento em São Paulo, logo depois que “CartaCapital” virou revista semanal, na presença de empresários, de políticos, como Marta Suplicy e de administradores públicos, como o ex-ministro da educação Paulo Renato, o jornalista Mino Carta lembrou que à mídia compete vigiar o poder. No caso da tentativa de aumento salarial dos deputados federais não deu outra: a mídia não só vigiou o poder, como, em diversos exercícios opinativos – editoriais, colunas e comentários – deixou muito claro o julgamento dela mesma e da opinião pública a respeito da politicalha que tergiversa da ética e do senso de responsabilidade social.
Sim, o leitor vai dizer que adiantou pouco, no campo da prática, porque os vendilhões da ética voltaram e voltarão à carga, por vias outras, sorvendo pelas bordas (um ato administrativo aqui, um outro ali) até deglutir todo o mingau que se propuseram comer, pouco importando que o leite e a farinha são tirados à boca do povo, em cuja composição não faltam famintos, mal-empregados, desempregados e subempregados, abandonados da sorte e do governo.
Concordo. O “presta-atenção” sobre a tentativa de aumentar salário e verba dos deputados não eliminou as mazelas todas que rotulam segmentos significativos do poder político desta pátria sub-traída. Mas indicou um caminho, deixou uma sementinha, se não de expectativa, pelo menos de esperança. Estamos em processo. A democracia restaurada, instaurada e instalada há vinte anos, abrindo a fase pós-militares, ainda é criança e, por isso mesmo, pequenina, faz pouco, é frágil, tem muito a aprender e muito mais a fazer. Por enquanto, ela ainda carreia votos para gente que se elege apoiando pinguço. Mas, se a cada dia a sociedade se afastar um pouquinho mais desse presente inadequado e do passado nefasto, buscando um futuro justo, aceitável e conveniente, não para os políticos, mas para si mesma, vale a pena acreditar e não custa nada tentar.
Se não representa ação efetiva, de resultados concretos, a postura assumida pela mídia no caso em tela arvora-se em exemplo e indica trajetórias: pau na corja que, um dia, ainda que distante, ela verga, quebra e, se não fugir, acaba por enfrentar o julgamento inflexível e o veredicto severo da sociedade. É possível, sim, acabar com a bandalheira. O primeiro passo é querer, o segundo é cobrar... Aí, já estamos, como manchetes inconformadas mostraram à sociedade incrédula que em um contexto de salário mínimo girando na casa de duas centenas, é inadmissível e inaceitável que certos parlamentares pretendam concentrar renda e benefícios próximos de cem milhares per capita. È discrepância pra ninguém botar defeito, ou mais precisamente, é um discrepante defeito político, anomia que o organismo social não pode absorver nem o bom senso pode aceitar.
Valeu a sacudidela. A expectativa é que a sociedade, imprensa junto, ponha-se em causa: não mais se aceita nem se convive com maus políticos. Enquanto a mídia delata, o indivíduo também pode fazer muito, execrando a pilantragem: mesmo que o cara seja colega, conhecido ou até mesmo amigo, se for político e não for ético, a ordem é romper com ele, dispensar o cumprimento, evitar o contato, jogar o cara no lugar do qual jamais deveria ter saído, o ostracismo. Na hora do voto é bom pensar e, depois de votar, cobrar, enfim, por a boca no trombone que, assim, o bicho assusta, treme, corre e a política sem ética, desprovida de senso, um dia morre.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
Nesta edição, a coluna foge do padrão. Ao invés de focar o comportamento de um ou alguns veículos midiáticos, como sempre faz, faz agora diferente, colocando na berlinda a grande imprensa nacional, como um todo, excetuando raríssimas e desprezíveis exceções e bate palmas calorosas para as publicações e emissoras que cerraram fileiras e caíram de pau sobre as intenções espúrias da politicalha interessada em auto-reajustar seus salários.
Fazia tempo a gente não via a mídia fechar com a opinião pública com tanta sintonia e esticar o dedo na direção de oportunistas travestidos de políticos, fazendo ver e ouvir que já estamos até a tampa das malandragens de politiqueiros e desmandos da politicagem.
Em um evento em São Paulo, logo depois que “CartaCapital” virou revista semanal, na presença de empresários, de políticos, como Marta Suplicy e de administradores públicos, como o ex-ministro da educação Paulo Renato, o jornalista Mino Carta lembrou que à mídia compete vigiar o poder. No caso da tentativa de aumento salarial dos deputados federais não deu outra: a mídia não só vigiou o poder, como, em diversos exercícios opinativos – editoriais, colunas e comentários – deixou muito claro o julgamento dela mesma e da opinião pública a respeito da politicalha que tergiversa da ética e do senso de responsabilidade social.
Sim, o leitor vai dizer que adiantou pouco, no campo da prática, porque os vendilhões da ética voltaram e voltarão à carga, por vias outras, sorvendo pelas bordas (um ato administrativo aqui, um outro ali) até deglutir todo o mingau que se propuseram comer, pouco importando que o leite e a farinha são tirados à boca do povo, em cuja composição não faltam famintos, mal-empregados, desempregados e subempregados, abandonados da sorte e do governo.
Concordo. O “presta-atenção” sobre a tentativa de aumentar salário e verba dos deputados não eliminou as mazelas todas que rotulam segmentos significativos do poder político desta pátria sub-traída. Mas indicou um caminho, deixou uma sementinha, se não de expectativa, pelo menos de esperança. Estamos em processo. A democracia restaurada, instaurada e instalada há vinte anos, abrindo a fase pós-militares, ainda é criança e, por isso mesmo, pequenina, faz pouco, é frágil, tem muito a aprender e muito mais a fazer. Por enquanto, ela ainda carreia votos para gente que se elege apoiando pinguço. Mas, se a cada dia a sociedade se afastar um pouquinho mais desse presente inadequado e do passado nefasto, buscando um futuro justo, aceitável e conveniente, não para os políticos, mas para si mesma, vale a pena acreditar e não custa nada tentar.
Se não representa ação efetiva, de resultados concretos, a postura assumida pela mídia no caso em tela arvora-se em exemplo e indica trajetórias: pau na corja que, um dia, ainda que distante, ela verga, quebra e, se não fugir, acaba por enfrentar o julgamento inflexível e o veredicto severo da sociedade. É possível, sim, acabar com a bandalheira. O primeiro passo é querer, o segundo é cobrar... Aí, já estamos, como manchetes inconformadas mostraram à sociedade incrédula que em um contexto de salário mínimo girando na casa de duas centenas, é inadmissível e inaceitável que certos parlamentares pretendam concentrar renda e benefícios próximos de cem milhares per capita. È discrepância pra ninguém botar defeito, ou mais precisamente, é um discrepante defeito político, anomia que o organismo social não pode absorver nem o bom senso pode aceitar.
Valeu a sacudidela. A expectativa é que a sociedade, imprensa junto, ponha-se em causa: não mais se aceita nem se convive com maus políticos. Enquanto a mídia delata, o indivíduo também pode fazer muito, execrando a pilantragem: mesmo que o cara seja colega, conhecido ou até mesmo amigo, se for político e não for ético, a ordem é romper com ele, dispensar o cumprimento, evitar o contato, jogar o cara no lugar do qual jamais deveria ter saído, o ostracismo. Na hora do voto é bom pensar e, depois de votar, cobrar, enfim, por a boca no trombone que, assim, o bicho assusta, treme, corre e a política sem ética, desprovida de senso, um dia morre.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
1 Comments:
Best regards from NY! »
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