Monday, March 20, 2006

Wagner Geribello, agosto de 2004

Voz e vez na mídia

Foi sugerido, na edição passada, que a imprensa representa uma parte da sociedade (menor, rica e poderosa, chamada elite), mas deixa fora outra parte (maior, pobre e desprovida de poder, chamada massa). Faltaram causas e, uma delas, é a resistência da mídia às tentativas discursivas da massa, por razões políticas (distribuição/concentração de poder) e econômicas (distribuição/concentração de renda).

Ao reduzir a informação à condição de produto, e a circulação da informação à condição de serviço, a mídia vira empresa que mercantiliza informação.

Empresarialmente, a mídia faz o que fazem as empresas: constitui clientes, seleciona fornecedores e estabelece parceria, visando lucro. Quem gasta e gera dinheiro entra como receptor e emissor, no caso a elite. Já a massa, no máximo, entra no jogo como consumidora passiva e periférica, ajustada à aquisição dos produtos mais baratos e sensacionalistas. Por isso e erroneamente, os termos “imprensa popular” e “imprensa sensacionalista” se confundem, como acontece com os dois (únicos) jornais diários de Campinas, “Correio Popular” e “Diário do Povo”, um mais “popular” sensacionalista, outro, pretensamente, nem tanto.

Empresas midiáticas também agem concorrencialmente, tirando o competidor da reta para ganhar mercado. Isso gera concentração. Ora, concentração e elitização, diz a sociologia, são categorias próximas e interdependentes. Logo, quanto mais concentra, mais a mídia afasta a massa e dela se afasta.

Aplicando o raciocínio à realidade, pode-se entender a agressividade com que foram recebidas as tentativas do governo municipal abrir espaço para a mídia alternativa, com a municipalização da gestão de emissoras comunitárias de rádio, ampliando, potencialmente, o acesso das massas.
No plano jurídico/legal, a regulamentação de direitos e deveres relativos à geração e circulação de informação é ideologicamente liberal: garante a exploração comercial e, ao mesmo tempo, interpõe barreiras e empecilhos a projetos e ações alternativas. A tênue definição de fronteira entre pirataria e legalidade, quando se trata da difusão eletrônica de informações, leva com facilidade à criminalização de soluções alternativas. Com isso, o direito à livre expressão sai do campo de discussão político/social para cair na esfera policial. Reprimir policialmente a irradiação de idéias parece não contribuir muito para arrefecer o mutismo midiático das camadas populares. Talvez, antes de reprimir, valesse discutir. Todavia, a reflexão não encontrou espaço aqui em Campinas. A justiça indeferiu, a mídia condenou, a intelectualidade ignorou e a proposta da municipalização acabou aparecendo menos como oportunidade necessária de debate e mais como erro descabido e inoportuno.

No episódio, o “espírito de corpo” da mídia apareceu de imediato. Em 2 de julho passado, o “Correio” manchetou na página 5: “Lei vai facilitar rádio comunitária ilegal”. Além do contraponto da lei que facilita o ilegal, a matéria menciona a preocupação de entidades corporativas como a Associação das Emissoras de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo. Na mesma data, a “Folha de S. Paulo” (C3, Caderno Campinas) também tratou do assunto e já na linha fina lembrou que a legislação proposta “fere, pelo menos, três artigos da Constituição Federal...”, incluindo, na matéria, posição de outra entidade corporativa (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). Em 3 de julho, o assunto foi a principal manchete do “Correio” e, na mesma data, também apareceu na coluna Xeque-Mate. No dia 4 de julho, foi retomado na página 4. Mas apesar de dar voz a entidades corporativas, em nenhum momento as matérias trataram a difusão comunitária como possibilidade de acesso popular aos meios de comunicação. O tema recorrente foi a manutenção da estrutura legal que regulamenta o assunto. Simplificando, a mídia instituída quer preservar-se e sabe resguardar-se das tentativas que obstaculizam a mercantilização e a oligopolização dos veículos, mesmo que isso signifique manter/ampliar o silêncio, o isolamento e a marginalização comunicativa das massas.

A proposta de mudança na regulamentação da difusão radiofônica é tema importante e sério, de profundas conseqüências sociais. No entanto, a população em geral e os setores ligados à comunicação social (universitários, pesquisadores, jornalistas, sindicalistas, movimentos populares etc.) recusaram o debate. Uma pena, pois sem debate e mobilização a massa continuará ausente da mídia... sem voz e sem vez.

(Publicado originalmente na edição 25, de agosto de 2004, da revista Semana 3)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Excellent, love it!
» »

3:52 PM  

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