Wagner Geribello, junho de 2004
Lado B
Lado B. A expressão apareceu com o disco, aquele preto, antigo, que precedeu o CD e o DVD, cuja tecnologia determinava gravação em ambos os lados. Quem adquiria a música desejada, gravada no lado A, também pagava e levava uma outra, gravada no lado B. Essa nem sempre a gente queria e, às vezes, nem conhecia. Música do lado B raramente tocava no rádio e não entrava nas paradas de sucesso. Desconhecido e desprezado, lado B acabou virando sinônimo de segunda categoria, coisa sem importância.
Sociedade também tem lado B, a face desprezada e desconhecida, para a qual ninguém dá muita importância, incluindo a mídia.
Quer ver?
Pega aí o jornal que você assina. Qualquer um serve... "Folha", "Estadão", "Correio Popular". Abra o caderno ou editoria de economia. Confira comigo: tem matéria, notícia, artigo, comentário, depoimento, entrevista, em que os empresários se manifestam? Tem. Pois é, lado A. Tem manifestação de patrão? Também tem. De novo, lado A. Achou aí a palavra dos executivos, dos banqueiros, dos investidores, dos financistas. Tudo lado A. Agora, procura matéria com operário. Mas não sobre operário, em que outro, sempre alguém do lado A, se pronuncia em nome dele. Só vale manifestação do próprio obreiro. Não achou nada, não é mesmo? Pois então, operário é lado B. Agora, procura, por favor, depoimento de liderança sindical (pelego não vale, é lado A também). Também não encontrou? Lado B. Em suma, quando se trata de economia, lado B não pia.
Vamos pra outra editoria. Cultura. Essa que em alguns jornais chama "Caderno C" ou "Caderno B" ou "Ilustrada", essa mesma. Procura artista global. Achou? Lado A. Filme hollywoodiano... tem de monte, não é? Lado A. Música marketizada pela indústria cultural... também lado A. Achou, não achou? Ótimo. Agora, vamos rever o caderno, procurando manifestações culturais de raiz, arte popular, coisas assim. Não achou nada? Pois é, lado B.
Repita a experiência nas demais editorias, contornando, é claro, a coluna social, pra evitar que ironia e sarcasmo extrapolem o limite do ponderado. Tente, por exemplo, política, ou serviço ou então o noticiário local... isso, editoria "Cidades". Achou uma entrevista com moradores "famosos" do Cambuí? Então, o típico bairro lado A. Ah, mas você também achou matéria sobre a periferia. Isso quer dizer que lado B também aparece na mídia. É, de vez em quando aparece mesmo, reconheço. Mas se manifesta? Não. O periférico, o morador do Jardim Lá Longe não fala. Lado B, não tem voz e como não tem voz, também não tem vez na ordem das prioridades sociais. Ou seja, lado B não conquista porque não sabe reclamar, não recebe por não saber pedir, não usufrui porque não tem discurso legitimador. Assim como a música do lado B não toca na vitrola, o lado B da sociedade não se manifesta através da mídia. É mudo, calado e, conseqüentemente, pária alienado na sociedade da informação. É o lado ausente das páginas, telas e ondas hertzianas da mídia. Aparece pouco e, quando aparece, outros falam por ele.
Visto o fato, aí nas páginas do seu jornal, sobrevem a questão: que motivos impedem as camadas populares repartirem com a elite o direito à palavra, ao verbo, à opinião, ironicamente chamada pública? Dizem os estudiosos que as razões são muitas, e além de muitas, também múltiplas. Sobre elas, a gente conversa no próximo encontro, aqui mesmo no Semana 3. Por enquanto, vá pensando no termo "direito à palavra" e conferindo a ausência do lado B nas linhas e entrelinhas da mídia.
(Publicado originalmente na edição 24, de junho de 2004, do jornal Semana 3)
Lado B. A expressão apareceu com o disco, aquele preto, antigo, que precedeu o CD e o DVD, cuja tecnologia determinava gravação em ambos os lados. Quem adquiria a música desejada, gravada no lado A, também pagava e levava uma outra, gravada no lado B. Essa nem sempre a gente queria e, às vezes, nem conhecia. Música do lado B raramente tocava no rádio e não entrava nas paradas de sucesso. Desconhecido e desprezado, lado B acabou virando sinônimo de segunda categoria, coisa sem importância.
Sociedade também tem lado B, a face desprezada e desconhecida, para a qual ninguém dá muita importância, incluindo a mídia.
Quer ver?
Pega aí o jornal que você assina. Qualquer um serve... "Folha", "Estadão", "Correio Popular". Abra o caderno ou editoria de economia. Confira comigo: tem matéria, notícia, artigo, comentário, depoimento, entrevista, em que os empresários se manifestam? Tem. Pois é, lado A. Tem manifestação de patrão? Também tem. De novo, lado A. Achou aí a palavra dos executivos, dos banqueiros, dos investidores, dos financistas. Tudo lado A. Agora, procura matéria com operário. Mas não sobre operário, em que outro, sempre alguém do lado A, se pronuncia em nome dele. Só vale manifestação do próprio obreiro. Não achou nada, não é mesmo? Pois então, operário é lado B. Agora, procura, por favor, depoimento de liderança sindical (pelego não vale, é lado A também). Também não encontrou? Lado B. Em suma, quando se trata de economia, lado B não pia.
Vamos pra outra editoria. Cultura. Essa que em alguns jornais chama "Caderno C" ou "Caderno B" ou "Ilustrada", essa mesma. Procura artista global. Achou? Lado A. Filme hollywoodiano... tem de monte, não é? Lado A. Música marketizada pela indústria cultural... também lado A. Achou, não achou? Ótimo. Agora, vamos rever o caderno, procurando manifestações culturais de raiz, arte popular, coisas assim. Não achou nada? Pois é, lado B.
Repita a experiência nas demais editorias, contornando, é claro, a coluna social, pra evitar que ironia e sarcasmo extrapolem o limite do ponderado. Tente, por exemplo, política, ou serviço ou então o noticiário local... isso, editoria "Cidades". Achou uma entrevista com moradores "famosos" do Cambuí? Então, o típico bairro lado A. Ah, mas você também achou matéria sobre a periferia. Isso quer dizer que lado B também aparece na mídia. É, de vez em quando aparece mesmo, reconheço. Mas se manifesta? Não. O periférico, o morador do Jardim Lá Longe não fala. Lado B, não tem voz e como não tem voz, também não tem vez na ordem das prioridades sociais. Ou seja, lado B não conquista porque não sabe reclamar, não recebe por não saber pedir, não usufrui porque não tem discurso legitimador. Assim como a música do lado B não toca na vitrola, o lado B da sociedade não se manifesta através da mídia. É mudo, calado e, conseqüentemente, pária alienado na sociedade da informação. É o lado ausente das páginas, telas e ondas hertzianas da mídia. Aparece pouco e, quando aparece, outros falam por ele.
Visto o fato, aí nas páginas do seu jornal, sobrevem a questão: que motivos impedem as camadas populares repartirem com a elite o direito à palavra, ao verbo, à opinião, ironicamente chamada pública? Dizem os estudiosos que as razões são muitas, e além de muitas, também múltiplas. Sobre elas, a gente conversa no próximo encontro, aqui mesmo no Semana 3. Por enquanto, vá pensando no termo "direito à palavra" e conferindo a ausência do lado B nas linhas e entrelinhas da mídia.
(Publicado originalmente na edição 24, de junho de 2004, do jornal Semana 3)
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