Monday, March 20, 2006

Marcelo Träsel, dezembro de 2005

Colher de prata



A editora norte-americana Phaidon gentilmente me enviou uma cópia de “The silver spoon”, seu novo livro de receitas. Diz o release que se trata de uma das obras sobre culinária de maior sucesso na Itália, “finalmente traduzida para o inglês”. É um calhamaço com 1200 páginas e duas mil receitas de todo tipo. Dado o seu tamanho, está com um preço bem em conta: R$ 126 na Livraria Cultura, ou US$ 26,37 na Amazon. Claro que, por este preço, tem poucas fotos e essas poucas são de má qualidade. Ainda assim, a capa é bonita o suficiente para quem compra livros de gastronomia apenas para decorar a mesa de centro da sala ficar satisfeito.

É um bom livro para se ter como referência. Se fosse iniciar uma biblioteca culinária, seria um ótimo começo. Há receitas do absurdamente simples ao ridiculamente complexo e demora um tempo considerável testar todas as duas mil. Além disso, você tem um tipo de dicionário de pratos e ingredientes à mão, bem como de técnicas culinárias. As páginas finais trazem menus especialmente preparados por cozinheiros italianos famosos.

Livros como este são bons, porque você checa a geladeira para ver o que tem e depois procura uma receita com aqueles ingredientes. Há várias seções que explicam técnicas básicas de cozimento e preparação, bem como um glossário. Enfim, tudo o que um iniciante e até gente experiente em cozinha precisa. Ainda por cima, sai bem mais barato que a “Larousse gastronomique”.

Uma advertência: não sei até que ponto a culinária apresentada é tradicional. Há muitas receitas com ingredientes como curry. Em uma obra com esse tamanho fica difícil não incluir coisas menos, digamos, autênticas. É certamente uma culinária internacional, mas sob um viés italiano, o que já garante uma boa diferença.

Mas vamos ao que interessa: testar as receitas. Foi difícil escolher uma entre duas mil. Precisava de algum critério de aferição, até porque não sou especialista em comida italiana. Porém, faço um espaguete à carbonara considerado muito bom; já comi o prato em Roma, onde foi inventado; e trata-se de um dos mais famosos molhos italianos, presentes no cardápio de qualquer cantina que se preze. Os ingredientes são relativamente fáceis de conseguir no Brasil e nem tão caros. Era a escolha perfeita.

Exceto que foi impossível encontrar pancetta, mesmo no mercado público, onde se vende desde caviar até pipoca para macumba. Não sejamos anal-retentivos: usei um pedaço de bacon com bastante gordura, mesmo. Não-defumado, evidente. Segue a receita:

SPAGHETTI ALLA CARBONARA
— 25g de manteiga
— 100g de pancetta
— 1 dente de alho inteiro
— 350g de espaguete
— 2 ovos batidos
— 40g de queijo parmesão ralado na hora
— 40g de queijo pecorino (isto é, de ovelha) ralado na hora
— Sal e muita, muita pimenta-do-reino

Antes de mais nada, cozinhe o espaguete “al dente”. Derreta a manteiga em uma panela ou frigideira grande, adicione a pancetta — ou bacon — e o alho e refogue até que este último comece a escurecer. Retire o dente de alho e jogue fora. Jogue a massa na panela e misture com a pancetta. Apague o fogo, derrame os ovos batidos por cima e junte metade dos queijos. Salpique a pimenta, de preferência moída na hora. Mexa muito bem, de modo que os ovos façam uma capa sobre a massa. Coloque o resto do queijo, mexa de novo e sirva. Salgue apenas no prato, pois o queijo parmesão tem muito sal.

Agora, eu sempre tive orgulho de minha carbonara, que segue uma receita do Silvio Lancelotti. Modéstia à parte, é melhor do que a que experimentei em Roma. A principal diferença é que leva um pouco de nata junto com os ovos — o que, segundo minha pesquisa, não existe na receita original. A idéia do alho também não conhecia.

Pois bem: a receita do “Silver Spoon” resultou na melhor carbonara que já comi. O livro está aprovado com louvor. Dez com estrelinha. Podem comprar.

(Publicado originalmente na edição 36, de dezembro de 2005, da revista Semana 3)

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