Wagner Geribello, fevereiro de 2005
Alexandre, o falso
Passado o período dionisíaco que interpõe véspera de Natal ao Natal, última noite do ano velho ao primeiro dia do ano novo e pré-carnaval ao carnaval, gerando motivo pra muita ceia, outro tanto de almoço, festas repimpadas, gandaia da boa, mas pouca produtividade, cá estamos, de volta à labuta, comentando mandos e desmandos de meios e mídias, pra notar que, infelizmente, às festas não sobreveio a seriedade... muito pelo contrário.
Em 2005, a mídia continua classificando o receptor como boçal acéfalo unineuronal, desprovido de gosto, conhecimento e senso estético, ao queimar espaço com idiotices que envolvem muitos, mas interessam a poucos, como a produção holliwoodiana pretensamente referenciada no general macedônio Alexandre, cognominado o grande, apesar da pouca estatura. Refiro-me ao filme, mas também à publicidade veiculada na mídia impressa, como a peça que ocupou toda a página 3 da Ilustrada (caderno E) da “Folha”, no primeiro domingo do ano, estampando foto de página com um tal Colin Farrell (ator?) travestido de Alexandre. Você viu? Riu? Eu também. Com topete de metrossexual assumido, pernocas raspadas e olhar de galã global, a figura é o protótipo perfeito do Alexandre alegórico, próprio da Mangueira carnavalesca, incluindo a capa (notou uma observadora atenta) segura por um broche plastificado, oriundo dos varejos quinquilharescos de R$ 1,99. Ridículo!
Mas não é só a “ridicularidade” que preocupa e incomoda. A plastificação de figuras como Alexandre e a redução do passado a roteiro e imagens holliwoodianas sufoca e pode suprimir o conhecimento da História e, conseqüentemente, vulnerabilizar ainda mais as pessoas à adesão incondicional e passiva da ordem social vigente.
História significa conhecimento e, portanto, base para reflexão crítica. Sem História, a sociedade perde referenciais, abandona a reflexão, aceita passivamente imposições de toda ordem (políticas e econômicas inclusive) e vira massa de manobra nas mãos do poder. Se o leitor já se deteve para analisar o tema, percebeu que a manipulação e a instrumentalização da História sempre foi preocupação prioritária do poder. Absolutistas, nazistas, stalinistas e conexos usaram e abusaram da re-historiografização no sentido de substituir a memória crítica pela adesão e aderência a valores circunstanciais de oportunidade.
O capitalismo não faz diferente, entendendo que a História só tem sentido quando valoriza determinados direitos, legitima certos procedimentos e estimula comportamentos específicos. Por isso mesmo, a glamurização do Alexandre americanizado é pior que risível. Dondocado com xampu e gel, a imagem do Alexandre de Hollywood não remete ao combatente, mas certamente estimula o consumo. Deixa de ser referencial histórico, mas ajuda muito nas vendas. Além disso, falando inglês e personificado por um legítimo “all american boy”, o Alexandre fílmico mitifica a figura de conquistador, ao mesmo tempo em que perde a nacionalidade macedônica, para incorporar uma identidade americana, consolidando e legitimando o domínio, tanto aos olhos dos dominantes quanto à visão (passiva e/ou adesista) dos dominados. Enfim, como já afirmaram mil e muitos comentaristas e estudiosos da comunicação em geral e do cinema em especial, o objetivo real e final é propaganda... de imagem, de valores, de conceitos, de situação e de relações sociais.
Mas a propaganda, no caso, não se limita ao filme. Antes, durante e depois da exibição, a mídia jornalística completa e amplia o processo propagandístico, mantendo a película na pauta das matérias e nos espaços publicitários, fechando o cerco comunicacional. Com isso, independente das (des)qualidades artísticas, o filme já chega como sucesso pré-configurado, que a afluência de público só faz confirmar. Resultado: o processo é maquiavélico, mas muito funcional e o receptor vai, aos poucos, mas inexoravelmente, perdendo a capacidade para diferenciar Alexandre, o grande, de Alexandre, o falso.
Por isso, quando conquista, domínio e imperialismo estão na ordem do dia, em tempos de globalização, criações midiáticas desse gênero, por serem proposital e calculadamente falsas, são, também, preocupantes.
(Publicado originalmente na edição 28, de fevereiro de 2005, da revista Semana 3)
Passado o período dionisíaco que interpõe véspera de Natal ao Natal, última noite do ano velho ao primeiro dia do ano novo e pré-carnaval ao carnaval, gerando motivo pra muita ceia, outro tanto de almoço, festas repimpadas, gandaia da boa, mas pouca produtividade, cá estamos, de volta à labuta, comentando mandos e desmandos de meios e mídias, pra notar que, infelizmente, às festas não sobreveio a seriedade... muito pelo contrário.
Em 2005, a mídia continua classificando o receptor como boçal acéfalo unineuronal, desprovido de gosto, conhecimento e senso estético, ao queimar espaço com idiotices que envolvem muitos, mas interessam a poucos, como a produção holliwoodiana pretensamente referenciada no general macedônio Alexandre, cognominado o grande, apesar da pouca estatura. Refiro-me ao filme, mas também à publicidade veiculada na mídia impressa, como a peça que ocupou toda a página 3 da Ilustrada (caderno E) da “Folha”, no primeiro domingo do ano, estampando foto de página com um tal Colin Farrell (ator?) travestido de Alexandre. Você viu? Riu? Eu também. Com topete de metrossexual assumido, pernocas raspadas e olhar de galã global, a figura é o protótipo perfeito do Alexandre alegórico, próprio da Mangueira carnavalesca, incluindo a capa (notou uma observadora atenta) segura por um broche plastificado, oriundo dos varejos quinquilharescos de R$ 1,99. Ridículo!
Mas não é só a “ridicularidade” que preocupa e incomoda. A plastificação de figuras como Alexandre e a redução do passado a roteiro e imagens holliwoodianas sufoca e pode suprimir o conhecimento da História e, conseqüentemente, vulnerabilizar ainda mais as pessoas à adesão incondicional e passiva da ordem social vigente.
História significa conhecimento e, portanto, base para reflexão crítica. Sem História, a sociedade perde referenciais, abandona a reflexão, aceita passivamente imposições de toda ordem (políticas e econômicas inclusive) e vira massa de manobra nas mãos do poder. Se o leitor já se deteve para analisar o tema, percebeu que a manipulação e a instrumentalização da História sempre foi preocupação prioritária do poder. Absolutistas, nazistas, stalinistas e conexos usaram e abusaram da re-historiografização no sentido de substituir a memória crítica pela adesão e aderência a valores circunstanciais de oportunidade.
O capitalismo não faz diferente, entendendo que a História só tem sentido quando valoriza determinados direitos, legitima certos procedimentos e estimula comportamentos específicos. Por isso mesmo, a glamurização do Alexandre americanizado é pior que risível. Dondocado com xampu e gel, a imagem do Alexandre de Hollywood não remete ao combatente, mas certamente estimula o consumo. Deixa de ser referencial histórico, mas ajuda muito nas vendas. Além disso, falando inglês e personificado por um legítimo “all american boy”, o Alexandre fílmico mitifica a figura de conquistador, ao mesmo tempo em que perde a nacionalidade macedônica, para incorporar uma identidade americana, consolidando e legitimando o domínio, tanto aos olhos dos dominantes quanto à visão (passiva e/ou adesista) dos dominados. Enfim, como já afirmaram mil e muitos comentaristas e estudiosos da comunicação em geral e do cinema em especial, o objetivo real e final é propaganda... de imagem, de valores, de conceitos, de situação e de relações sociais.
Mas a propaganda, no caso, não se limita ao filme. Antes, durante e depois da exibição, a mídia jornalística completa e amplia o processo propagandístico, mantendo a película na pauta das matérias e nos espaços publicitários, fechando o cerco comunicacional. Com isso, independente das (des)qualidades artísticas, o filme já chega como sucesso pré-configurado, que a afluência de público só faz confirmar. Resultado: o processo é maquiavélico, mas muito funcional e o receptor vai, aos poucos, mas inexoravelmente, perdendo a capacidade para diferenciar Alexandre, o grande, de Alexandre, o falso.
Por isso, quando conquista, domínio e imperialismo estão na ordem do dia, em tempos de globalização, criações midiáticas desse gênero, por serem proposital e calculadamente falsas, são, também, preocupantes.
(Publicado originalmente na edição 28, de fevereiro de 2005, da revista Semana 3)
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