Wagner Geribello, set/out/nov de 2004
Censura
Rolou e continua rolando muita tinta e outro tanto de saliva em debates sobre a criação de duas instituições ligadas à mídia, uma voltada para a área do cinema e do vídeo, Ancinav, e outra focada na imprensa, CNJ. As siglas ainda são provisórias e as instituições ainda são propostas, portanto abertas ao debate e receptivas a mudanças. Mas, assim mesmo, impressiona o número de interessados em participar das conversações, como causa espécie a rapidez com que se definem posições e polarizações.
Seja pelo interesse real, seja pela crença de que mídia é assunto pra qualquer Zé Mané meter a colher, debates, afirmações e contra-afirmações sobre Ancinav e CNJ já se espraiaram pelos mais variados interstícios, desde opiniões inconseqüentes, obtusas e sem fundamento, até considerações de ordem jurídica, legal, política e econômica, na amplitude maior em que esses segmentos podem ser desdobrados. Assim, ao contrário do que sugere nossa vã filosofia e ponderado bom senso, é muito grande o número de pessoas que “conhece” e “domina” a complexidade toda das comunicações sociais e, portanto, julga-se no direito ou capacidade de “palpitar” sobre o tema. A maioria conhece pouco e, por isso mesmo, fala muita bobagem. Há, também, quem participa não por conhecimento ou afinidade com o tema, mas por interesse, no mais das vezes econômico. Mas isso é só uma parte da questão. Existe outra mais grave.
Das manifestações todas que afloraram dos debates, aqui no Brasil e mesmo no exterior (leia-se Estados Unidos... sempre eles), muitas associaram as instituições ao (re)cerceamento da livre manifestação ou censura. Disseram: implantar Ancinav e CNJ significa facilitar e oficializar a prática de censura por parte do governo. Dos que pronunciaram a frase, erraram alguns, mentiram outros, pela razão simples que, já faz tempo, censura é só parcialmente pratica (real ou potencial) de governo. Se governos de modo geral e o brasileiro em especial buscam, de fato ou de direito, exercer controle sobre a mídia, esse controle já vem sendo intensamente exercido por entidades extra e às vezes anti-governo: as chamadas empresas de comunicação.
Portanto, se houve tempo em que, por força de lei e espada, estava em mãos de governos despóticos a capacidade de controlar a mídia, hoje, efetivamente, quem controla o trânsito e o conteúdo das comunicações (cinema, televisão, rádio, jornal, revista, internet, tudo, tudo) são empresas, pela razão simples e óbvia do direito de propriedade. Em instância última, quem decide o que, como, quando e para quem se publica, ou não se publica, é o dono. O resto é mistificação. Como é muito grande o percentual de meios/mídias controlados por reduzido número de empresas e se o conceito de censura pode ser aposto à noção de controle da informação, então, já faz tempo que a mídia está sujeita a censura.
Logo, debates sobre Ancinav, CNJ e temas afins podem e devem sofrer correções de percurso, paralelizando, à questão da possível/futura censura de Estado, a real e presente censura empresarial, pois instituições que podem ameaçar a liberdade pelo Estado, de outro ponto de vista podem representar bastiões contra o controle da informação pela empresa. Essa linha de raciocínio também torna mais fácil entender porque empresas jornalísticas e setores alinhados com o liberalismo capitalista (incluindo as manifestações alienígenas) foram (e são) os que mais imediatamente e com maior veemência manifestaram-se contra a proposta das agências. Estavam (estão) obrando em favor da liberdade de expressão ou maquinando pela manutenção impune e irrecorrível do controle?
O controle oligopolístico da captação, processamento e difusão de informações cobra um preço social alto, alguns dos quais já comentados nesta coluna, como a exclusão das classes populares do sistema midiático. Outros pontos como qualidade de informação, defesa de interesses nacionais, pluralidade cultural, interesse público versus interesse do público etc. integram o cardápio relativo à questão. Logo, debater a criação de instituições que possam reverter ou alterar o “status quo” das comunicações sociais é tema dos mais importantes e a posição liberal precisa ser questionada, se não, o que pode ou não pode ser visto, lido e ouvido, continuará a ser decidido por Marinho, Frias, Mesquita, Saad, Godoy, Abravanel, Sarney...
(Publicado originalmente na edição 26, de set/out/nov de 2004, da revista Semana 3)
Rolou e continua rolando muita tinta e outro tanto de saliva em debates sobre a criação de duas instituições ligadas à mídia, uma voltada para a área do cinema e do vídeo, Ancinav, e outra focada na imprensa, CNJ. As siglas ainda são provisórias e as instituições ainda são propostas, portanto abertas ao debate e receptivas a mudanças. Mas, assim mesmo, impressiona o número de interessados em participar das conversações, como causa espécie a rapidez com que se definem posições e polarizações.
Seja pelo interesse real, seja pela crença de que mídia é assunto pra qualquer Zé Mané meter a colher, debates, afirmações e contra-afirmações sobre Ancinav e CNJ já se espraiaram pelos mais variados interstícios, desde opiniões inconseqüentes, obtusas e sem fundamento, até considerações de ordem jurídica, legal, política e econômica, na amplitude maior em que esses segmentos podem ser desdobrados. Assim, ao contrário do que sugere nossa vã filosofia e ponderado bom senso, é muito grande o número de pessoas que “conhece” e “domina” a complexidade toda das comunicações sociais e, portanto, julga-se no direito ou capacidade de “palpitar” sobre o tema. A maioria conhece pouco e, por isso mesmo, fala muita bobagem. Há, também, quem participa não por conhecimento ou afinidade com o tema, mas por interesse, no mais das vezes econômico. Mas isso é só uma parte da questão. Existe outra mais grave.
Das manifestações todas que afloraram dos debates, aqui no Brasil e mesmo no exterior (leia-se Estados Unidos... sempre eles), muitas associaram as instituições ao (re)cerceamento da livre manifestação ou censura. Disseram: implantar Ancinav e CNJ significa facilitar e oficializar a prática de censura por parte do governo. Dos que pronunciaram a frase, erraram alguns, mentiram outros, pela razão simples que, já faz tempo, censura é só parcialmente pratica (real ou potencial) de governo. Se governos de modo geral e o brasileiro em especial buscam, de fato ou de direito, exercer controle sobre a mídia, esse controle já vem sendo intensamente exercido por entidades extra e às vezes anti-governo: as chamadas empresas de comunicação.
Portanto, se houve tempo em que, por força de lei e espada, estava em mãos de governos despóticos a capacidade de controlar a mídia, hoje, efetivamente, quem controla o trânsito e o conteúdo das comunicações (cinema, televisão, rádio, jornal, revista, internet, tudo, tudo) são empresas, pela razão simples e óbvia do direito de propriedade. Em instância última, quem decide o que, como, quando e para quem se publica, ou não se publica, é o dono. O resto é mistificação. Como é muito grande o percentual de meios/mídias controlados por reduzido número de empresas e se o conceito de censura pode ser aposto à noção de controle da informação, então, já faz tempo que a mídia está sujeita a censura.
Logo, debates sobre Ancinav, CNJ e temas afins podem e devem sofrer correções de percurso, paralelizando, à questão da possível/futura censura de Estado, a real e presente censura empresarial, pois instituições que podem ameaçar a liberdade pelo Estado, de outro ponto de vista podem representar bastiões contra o controle da informação pela empresa. Essa linha de raciocínio também torna mais fácil entender porque empresas jornalísticas e setores alinhados com o liberalismo capitalista (incluindo as manifestações alienígenas) foram (e são) os que mais imediatamente e com maior veemência manifestaram-se contra a proposta das agências. Estavam (estão) obrando em favor da liberdade de expressão ou maquinando pela manutenção impune e irrecorrível do controle?
O controle oligopolístico da captação, processamento e difusão de informações cobra um preço social alto, alguns dos quais já comentados nesta coluna, como a exclusão das classes populares do sistema midiático. Outros pontos como qualidade de informação, defesa de interesses nacionais, pluralidade cultural, interesse público versus interesse do público etc. integram o cardápio relativo à questão. Logo, debater a criação de instituições que possam reverter ou alterar o “status quo” das comunicações sociais é tema dos mais importantes e a posição liberal precisa ser questionada, se não, o que pode ou não pode ser visto, lido e ouvido, continuará a ser decidido por Marinho, Frias, Mesquita, Saad, Godoy, Abravanel, Sarney...
(Publicado originalmente na edição 26, de set/out/nov de 2004, da revista Semana 3)
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