Monday, March 20, 2006

Wagner Geribello, maio de 2004

Deu no NYT



Assemelhada ao cão vigia que late por qualquer ruído, avança até contra as sombras, mordendo tudo e todos, a direita, defensora intransigente e intolerante do status quo capitalista, não baixa a guarda, tripudiando de todas as formas qualquer tentativa de mudança social.

Imbuído da idéia de que mudanças não são bem-vindas e que o sistema tem que seguir como está, a todo custo e a qualquer preço, o conservadorismo patrulha cada centímetro do contexto político do planeta, farejando todos os cantos. Ao descobrir a presa (a mais tímida manifestação de alternativas), o cão estica a cauda, fixa o olhar e late, apontando, delatando, acuando. Se a "ameaça" persiste, o bicho morde, dilacera, trucida, garantindo a consolidação, o crescimento e a imutabilidade estrutural da acumulação capitalista globalizada.

Na ponta da coleira estão os países capitalista mais ricos (geralmente designados pelo eufemismo de desenvolvidos), liderados pela patronagem americana. Ao sinal de mudança ou diferenciação a matilha ataca. A razão pode ser religiosa, como acontece com os muçulmanos; independentista, como é o caso do chavismo venezuelano; territorial, como se verifica na Palestina; político, como ocorre em relação a Cuba; ou econômico, como demostra o "affair" iraquiano. Não interessa muito a ordem, as causas, os motivos, os planos, as possibilidades e muito menos os direitos agregados a esses eventos. A leitura é mais simplista: se ameaçam a ordem globalizada, precisam ser extirpados. Cães não raciocinam, reagem instintivamente.

A metáfora canina pode ajudar a entender por que o mais conhecido jornal do planeta, "The New York Times" decidiu compor e publicar artigo sobre hábito e gosto etílicos do presidente brasileiro.
Publicado na página seis da edição de nove de maio passado, o artigo compromete seriamente a imagem do presidente e da nação que ele governa, ao considerar um possível perfil alcoólatra, que poderia afetar seu desempenho.

Passado o espanto, a pergunta que fica é: por que o "NYT" resolveu dedicar espaço e escalar articulista (Larry Rother) para difamar o presidente brasileiro?

O "NYT" é porta-voz do sistema e Lula não faz o tipo esperado e desejado de líder ajustado à ordem vigente. O próprio articulista descreve o presidente brasileiro como esquerdista, que, no jargão político conservador, significa algo/alguém diferente, que está contra o sistema (vide doutrina Bush, expressa com todas as letras: quem não está conosco, está contra nós. Lembram?). Portanto, apesar do bom-mocismo do governo brasileiro, aceitando, entre outras imposições, pagar mais 10 vezes dívidas que por mais de 10 vezes já foram pagas, às custas do desenvolvimento econômico e social do País, Lula da Silva significa potencial de mudança e para Washington isso não é bom, ainda que possível e legal em um sistema democrático.

Outra razão para latir é o prestígio do líder petista em círculos relevantes da política mundial. Isso tem levado a comunidade internacional a considerar o nome de Lula e, por extensão, o Brasil, a participar e mesmo capitanear ações nem sempre interessantes e às vezes contrárias aos interesses do sistema de modo geral e dos norte-americanos em especial. Os exemplos são muitos, mas a manutenção e aproximações do Mercosul com a Europa, as restrições à Alca, as propostas cada vez mais freqüentes nas negociações internacionais de um eixo econômico, tecnológico e científico entre China, Índia e Brasil, aliadas à recente vitória brasileira na OMC contra os Estados Unidos são os que mais assustam os súditos de Bush.

Por fim, políticos de esquerda, sindicalistas, não são bem vistos. É preciso demonstrar para a comunidade internacional que eles não são "gente bem" e que não é bom levá-los à condição de líder. Logo, mesmo que um presidente seja ex-alcoólatra assumido, como é o caso do atual líder americano, ou que beba socialmente... bem, isso não é razão para artigo de jornal. Agora, se o presidente for de esquerda, então é preciso latir.

(Publicado originalmente na edição 23, de maio de 2004, do jornal Semana 3)

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