Wagner Geribello, dezembro de 2004
Arafat
As imagens mostrando o líder palestino Yasser Arafat deixando Ramalah e o subseqüente anúncio de sua morte trouxeram uma tristeza desalentadora, que amorteceu o ânimo, despertou receios, causou preocupações e se tornou, automaticamente, motivo deste (e outros) comentários.
Tristeza pela morte da pessoa. Seja qual for o corpo esvaziado da alma, morte é sempre ruim, triste, lamentável. Ninguém gosta, ninguém quer. No entanto, a cobertura do evento incluiu foto de um grupo judeu ortodoxo brindando, com copos ao alto, a morte de Arafat. Pasmo, pois causa medo (muito) e vergonha (ainda mais) repartir o status de ser humano com gente que comemora a morte, seja lá de quem for. A expectativa é que esses corações e mentes possam conhecer, ainda vivos, paz e respeito à vida, para segurança de todos, inclusive deles.
Tristeza pela morte do líder, a quem não viu realizado o sonho, justo e inevitável, da nação palestina: soberana, independente, segura, próspera e pacífica. Sabemos todos que os palestinos já sofreram demais – humilhação, privação, violência, ostracismo, preconceito. Merecem a terra que lhes é de direito e o direito de implantar uma nação independente. Faz pouco, o mundo viu surgir um novo país, Timor, que tem pela frente um caminho longo e difícil de luta contra a pobreza, mas conta com três aliados importantes: reconhecimento, ajuda e esperança. No caso palestino, o reconhecimento é a muralha que recorta a terra de plantio, isola cidades e divide famílias, a ajuda são os esquadrões de Merkava, derrubando casas, ou terroristas, aliciando jovens, transformados em suicidas desesperados e a esperança é uma bandeira tricolor, que o mundo não conhece nem quer reconhecer.
Tristeza, também, pelo sectarismo e parcialidade com que fração significativa da mídia, incluindo a grande imprensa brasileira, deu conta do evento, qualificando de intransigente o dirigente que mais falou em negociação nas últimas décadas; negando status de estadista (editorial "Folha de S. Paulo") ao líder inconteste dos palestinos e falseando suspeitas de corrupção sobre uma figura que só vestia roupa espartanamente militar, viveu décadas degredado, cultivou ascese religiosa e passou anos confinado na sede administrativa da ANP, por dedicação à causa e despotismo do governo israelita. Acusar de corrupção quem não conheceu o luxo e negou a ostentação leva a crer que alguns trazem no cérebro o que deveriam ter nos intestinos e colocam sobre a ética um borrão do que levam no cérebro.
Tristeza e desalento, porque aguçou a desesperança, mostrando que o aperto de mãos que sela a paz morre numa praça de Israel (Rabin) ou num hospital francês (Arafat), enquanto o estímulo à guerra consolida-se na truculência (física inclusive) de Sharon, no sorriso sarcástico de Bush ou no oportunismo sangrento de Bin Laden. Assim, parece que já vai a hora dos tolerantes, pacíficos e cordatos enfiarem a bota nos fundilhos desses apocalípticos, abrindo espaço para um mundo mais sereno, em que rezar na mesquita não tenha como pré-requisito a proibição de orar na sinagoga.
Tristeza, ainda, por mostrar que preconceito, obscurantismo e barbárie continuam a banhar as margens do Jordão e ofender a sacralidade das pedras de Jerusalém, considerando que nenhum humano é mais que ser humano, não há raça de valor maior, nem cultura de perfil superior, nem deus que não aceite, como seus, a igualdade na diversidade e a concórdia na diferença. Portanto, além de retrógradas, são más e perigosas as crenças e a obstinação que estimulam a intolerância e legitimam a intransigência.
Ao comentar a morte de Arafat, alguém (re)escreveu que o ex-chefe da Autoridade Palestina não perdia uma oportunidade de perder uma oportunidade. O comentário não é original nem atual e se a frase deveria ser “de efeito”, acabou mostrando o “defeito” maior da mídia norte e sul-americanas no quesito assuntos internacionais: parcialidade. Etnocêntrica, estrábica, empresarial e comprometida, a grande imprensa ainda não se revela capaz de focar com isenção, distanciamento e competência os eventos que modelam a história, contribuindo para desenvolver o senso crítico do receptor, ao tratar com igual senso crítico a mensagem do emissor. Dessa forma, a mídia instiga o ódio, alimenta a ignorância, justifica o preconceito e promove o confronto. Não só, mas principalmente por isso, a morte de Arafat foi triste.
(Publicado originalmente na edição 27, de dezembro de 2004, da revista Semana 3)
As imagens mostrando o líder palestino Yasser Arafat deixando Ramalah e o subseqüente anúncio de sua morte trouxeram uma tristeza desalentadora, que amorteceu o ânimo, despertou receios, causou preocupações e se tornou, automaticamente, motivo deste (e outros) comentários.
Tristeza pela morte da pessoa. Seja qual for o corpo esvaziado da alma, morte é sempre ruim, triste, lamentável. Ninguém gosta, ninguém quer. No entanto, a cobertura do evento incluiu foto de um grupo judeu ortodoxo brindando, com copos ao alto, a morte de Arafat. Pasmo, pois causa medo (muito) e vergonha (ainda mais) repartir o status de ser humano com gente que comemora a morte, seja lá de quem for. A expectativa é que esses corações e mentes possam conhecer, ainda vivos, paz e respeito à vida, para segurança de todos, inclusive deles.
Tristeza pela morte do líder, a quem não viu realizado o sonho, justo e inevitável, da nação palestina: soberana, independente, segura, próspera e pacífica. Sabemos todos que os palestinos já sofreram demais – humilhação, privação, violência, ostracismo, preconceito. Merecem a terra que lhes é de direito e o direito de implantar uma nação independente. Faz pouco, o mundo viu surgir um novo país, Timor, que tem pela frente um caminho longo e difícil de luta contra a pobreza, mas conta com três aliados importantes: reconhecimento, ajuda e esperança. No caso palestino, o reconhecimento é a muralha que recorta a terra de plantio, isola cidades e divide famílias, a ajuda são os esquadrões de Merkava, derrubando casas, ou terroristas, aliciando jovens, transformados em suicidas desesperados e a esperança é uma bandeira tricolor, que o mundo não conhece nem quer reconhecer.
Tristeza, também, pelo sectarismo e parcialidade com que fração significativa da mídia, incluindo a grande imprensa brasileira, deu conta do evento, qualificando de intransigente o dirigente que mais falou em negociação nas últimas décadas; negando status de estadista (editorial "Folha de S. Paulo") ao líder inconteste dos palestinos e falseando suspeitas de corrupção sobre uma figura que só vestia roupa espartanamente militar, viveu décadas degredado, cultivou ascese religiosa e passou anos confinado na sede administrativa da ANP, por dedicação à causa e despotismo do governo israelita. Acusar de corrupção quem não conheceu o luxo e negou a ostentação leva a crer que alguns trazem no cérebro o que deveriam ter nos intestinos e colocam sobre a ética um borrão do que levam no cérebro.
Tristeza e desalento, porque aguçou a desesperança, mostrando que o aperto de mãos que sela a paz morre numa praça de Israel (Rabin) ou num hospital francês (Arafat), enquanto o estímulo à guerra consolida-se na truculência (física inclusive) de Sharon, no sorriso sarcástico de Bush ou no oportunismo sangrento de Bin Laden. Assim, parece que já vai a hora dos tolerantes, pacíficos e cordatos enfiarem a bota nos fundilhos desses apocalípticos, abrindo espaço para um mundo mais sereno, em que rezar na mesquita não tenha como pré-requisito a proibição de orar na sinagoga.
Tristeza, ainda, por mostrar que preconceito, obscurantismo e barbárie continuam a banhar as margens do Jordão e ofender a sacralidade das pedras de Jerusalém, considerando que nenhum humano é mais que ser humano, não há raça de valor maior, nem cultura de perfil superior, nem deus que não aceite, como seus, a igualdade na diversidade e a concórdia na diferença. Portanto, além de retrógradas, são más e perigosas as crenças e a obstinação que estimulam a intolerância e legitimam a intransigência.
Ao comentar a morte de Arafat, alguém (re)escreveu que o ex-chefe da Autoridade Palestina não perdia uma oportunidade de perder uma oportunidade. O comentário não é original nem atual e se a frase deveria ser “de efeito”, acabou mostrando o “defeito” maior da mídia norte e sul-americanas no quesito assuntos internacionais: parcialidade. Etnocêntrica, estrábica, empresarial e comprometida, a grande imprensa ainda não se revela capaz de focar com isenção, distanciamento e competência os eventos que modelam a história, contribuindo para desenvolver o senso crítico do receptor, ao tratar com igual senso crítico a mensagem do emissor. Dessa forma, a mídia instiga o ódio, alimenta a ignorância, justifica o preconceito e promove o confronto. Não só, mas principalmente por isso, a morte de Arafat foi triste.
(Publicado originalmente na edição 27, de dezembro de 2004, da revista Semana 3)
1 Comments:
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