Wagner Geribello, maio de 2005
Texto e contexto
Em meio ao show do papa e temas de praxe (política, violência, esporte etc.), a edição de 19 de abril da “Folha de S. Paulo” reservou espaço para noticiar o “presta atenção” que a Fuvest endereçou a cursinhos e vestibulandos, referente à redação.
Ponto para a “Folha”, que soube valorizar e dar destaque ao assunto, inserindo chamada na capa e colocando a matéria na primeira página do caderno Cotidiano, com foto e infográfico. O passo em falso foi o enfoque, imediatista e reducionista. Mesmo assim, a matéria configurou boa oportunidade para o leitor refletir sobre um tema relevante, pertinente e atual: a (in)capacidade de expressão textual/redacional que vem qualificando (?), cada vez mais intensamente, parcelas significativas da sociedade, sobretudo os jovens.
O ponto de origem da matéria foi a declaração da diretora executiva da Fuvest, Maria Tereza Fraga Rocco, a respeito de metodologias de ensino de redação caracterizadas por fórmulas padronizadas. Nesse embalo, a Fuvest fez crítica e ameaça: a fórmula padronizada impede a desenvoltura do candidato e, por isso, textos assim não serão aceitos no vestibular. Candidato que usar fórmulas e clichês vai zerar na prova de redação.
Além de apresentar trechos do depoimento da diretora, a “Folha” infografou modelos de avaliação de redação, reproduziu um exemplo de boa redação (sic), e ouviu alunos e a coordenadora de redação de um cursinho de São Paulo.
Mas se, para a “Folha”, a matéria acabou por aí, o leitor ligado percebeu que o tema é mais sério e cutuca a questão da capacidade expressiva no geral. Ou seja, não é só no vestibular que as pessoas tropeçam quando precisam escrever um texto. Habilidade expressiva através do recurso textual vem se mostrando artigo cada vez mais raro.
Professores convivem com esse problema de perto. Envolvido com uma clientela universitária de 650 alunos (circa), jovens na maioria, um professor confidenciou: "Na relação professor/aluno, a forma de contato mais intensa é o texto, que está presente na prova, no trabalho em grupo, na resenha, enfim, em quase toda atividade didática. Mas, após uma década de magistério, enxergo algumas coisinhas que emergem do ambiente acadêmico, como a crescente dificuldade de manifestação através do texto. Coerência, lógica, organização, clareza, são aspectos cada vez mais raros na forma de escrever dos discentes. Na contramão dessa tendência, é cada vez maior a quantidade de alunos acometidos da síndrome da folha em branco: olham durante muito tempo para a folha, ensaiam algumas frases desconexas, mas não conseguem passar da tentativa. O texto continua embotado e embutido em interstícios neurais aos quais o proto-redator não tem acesso."
Quando relatos assim circulam entre professores, a maioria fica de cabelo em pé e pergunta: “Onde vamos parar?” Exatamente não sei, mas acho que o caminho aponta para uma sociedade com menos texto. Temos aí um problema? Parece que a maioria dos professores e jornalistas acha que sim. Mas, pessoalmente, prefiro acreditar que estamos diante de um fato. Informática, sistemas, processos e recursos de comunicação eletrônica, simbioses agregando celular, televisão e games em aparelhos únicos, o CD, o DVD, enfim, essa parafernália toda que imediatiza a comunicação e robotiza o comunicador está criando um novo cenário, no qual a cultura literária perde importância e espaço.
O que se apresenta, portanto, é um momento talvez tão importante, do ponto de vista social e histórico, como o advento da imprensa, que abriu o período literário, tornando livro e letra pontos de referência e padrão de cultura. Talvez essa idade do texto, tal e qual concebemos, esteja agonizando em leito de morte, abrindo espaço para modelos com outros referenciais. A primeira leva a embarcar no trem da mudança é, sempre, a juventude e aí fica mesmo difícil esperar dessa galera desenvoltura idêntica ou superior a que tiveram gerações anteriores para discorrer idéias na folha de papel. Em tempos de orcute, xéte e onlaine, textualizar pode ser démodé e os conceitos de boa redação talvez sejam (serão) outros. Aos que militam na pedagogia ou transitam pela imprensa, vale a pena atentar para esses aspectos transformadores e, quem sabe, mudar os mapas de referência.
Mas, aí, o leitor vai dizer que, então, sou contra o bom texto, nos moldes ortodoxos. Muito pelo contrário. Sou fã de carteirinha do bem escrever. Mas eu, bem, eu sou de ontem, intrometido no hoje, com perspectivas cada vez mais reduzidas de amanhã. Conto pouco. Já a turma jovem, apesar de desconhecer o texto, domina o contexto que, parece, se destextualiza a passos largos, gostemos ou não.
(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)
Em meio ao show do papa e temas de praxe (política, violência, esporte etc.), a edição de 19 de abril da “Folha de S. Paulo” reservou espaço para noticiar o “presta atenção” que a Fuvest endereçou a cursinhos e vestibulandos, referente à redação.
Ponto para a “Folha”, que soube valorizar e dar destaque ao assunto, inserindo chamada na capa e colocando a matéria na primeira página do caderno Cotidiano, com foto e infográfico. O passo em falso foi o enfoque, imediatista e reducionista. Mesmo assim, a matéria configurou boa oportunidade para o leitor refletir sobre um tema relevante, pertinente e atual: a (in)capacidade de expressão textual/redacional que vem qualificando (?), cada vez mais intensamente, parcelas significativas da sociedade, sobretudo os jovens.
O ponto de origem da matéria foi a declaração da diretora executiva da Fuvest, Maria Tereza Fraga Rocco, a respeito de metodologias de ensino de redação caracterizadas por fórmulas padronizadas. Nesse embalo, a Fuvest fez crítica e ameaça: a fórmula padronizada impede a desenvoltura do candidato e, por isso, textos assim não serão aceitos no vestibular. Candidato que usar fórmulas e clichês vai zerar na prova de redação.
Além de apresentar trechos do depoimento da diretora, a “Folha” infografou modelos de avaliação de redação, reproduziu um exemplo de boa redação (sic), e ouviu alunos e a coordenadora de redação de um cursinho de São Paulo.
Mas se, para a “Folha”, a matéria acabou por aí, o leitor ligado percebeu que o tema é mais sério e cutuca a questão da capacidade expressiva no geral. Ou seja, não é só no vestibular que as pessoas tropeçam quando precisam escrever um texto. Habilidade expressiva através do recurso textual vem se mostrando artigo cada vez mais raro.
Professores convivem com esse problema de perto. Envolvido com uma clientela universitária de 650 alunos (circa), jovens na maioria, um professor confidenciou: "Na relação professor/aluno, a forma de contato mais intensa é o texto, que está presente na prova, no trabalho em grupo, na resenha, enfim, em quase toda atividade didática. Mas, após uma década de magistério, enxergo algumas coisinhas que emergem do ambiente acadêmico, como a crescente dificuldade de manifestação através do texto. Coerência, lógica, organização, clareza, são aspectos cada vez mais raros na forma de escrever dos discentes. Na contramão dessa tendência, é cada vez maior a quantidade de alunos acometidos da síndrome da folha em branco: olham durante muito tempo para a folha, ensaiam algumas frases desconexas, mas não conseguem passar da tentativa. O texto continua embotado e embutido em interstícios neurais aos quais o proto-redator não tem acesso."
Quando relatos assim circulam entre professores, a maioria fica de cabelo em pé e pergunta: “Onde vamos parar?” Exatamente não sei, mas acho que o caminho aponta para uma sociedade com menos texto. Temos aí um problema? Parece que a maioria dos professores e jornalistas acha que sim. Mas, pessoalmente, prefiro acreditar que estamos diante de um fato. Informática, sistemas, processos e recursos de comunicação eletrônica, simbioses agregando celular, televisão e games em aparelhos únicos, o CD, o DVD, enfim, essa parafernália toda que imediatiza a comunicação e robotiza o comunicador está criando um novo cenário, no qual a cultura literária perde importância e espaço.
O que se apresenta, portanto, é um momento talvez tão importante, do ponto de vista social e histórico, como o advento da imprensa, que abriu o período literário, tornando livro e letra pontos de referência e padrão de cultura. Talvez essa idade do texto, tal e qual concebemos, esteja agonizando em leito de morte, abrindo espaço para modelos com outros referenciais. A primeira leva a embarcar no trem da mudança é, sempre, a juventude e aí fica mesmo difícil esperar dessa galera desenvoltura idêntica ou superior a que tiveram gerações anteriores para discorrer idéias na folha de papel. Em tempos de orcute, xéte e onlaine, textualizar pode ser démodé e os conceitos de boa redação talvez sejam (serão) outros. Aos que militam na pedagogia ou transitam pela imprensa, vale a pena atentar para esses aspectos transformadores e, quem sabe, mudar os mapas de referência.
Mas, aí, o leitor vai dizer que, então, sou contra o bom texto, nos moldes ortodoxos. Muito pelo contrário. Sou fã de carteirinha do bem escrever. Mas eu, bem, eu sou de ontem, intrometido no hoje, com perspectivas cada vez mais reduzidas de amanhã. Conto pouco. Já a turma jovem, apesar de desconhecer o texto, domina o contexto que, parece, se destextualiza a passos largos, gostemos ou não.
(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)
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