Monday, March 20, 2006

Wagner Geribello, junho de 2005

País periférico, imprensa periférica



Muitas e múltiplas as conseqüências da Cúpula América do Sul-Países Árabes, realizada em Brasília no início de maio. A maior parte, evidentemente, repercutiu no campo diplomático, outras repicaram na área da economia e outras, ainda, foram ecoar na seara da política. Mas sobraram também conseqüências para a mídia. A mais flagrante: a imprensa brasileira (ainda?) não está preparada para tratar de temas internacionais.

Talvez a história represente a melhor ferramenta para entender essa incapacidade estrutural da imprensa tupiniquim. Nascido colônia e, pós-inde¬pendência, perpetuado como país periférico frente a organização econômico-política do planeta, o Brasil sempre teve voz tímida e presença modesta na geoestratégia internacional. Só eventualmente consultado e raramente envolvido pra valer no jogo de interesses internacionais, o Brasil sempre foi mais empurrado do que se mostrou capaz de intervir no cenário mundial, salvo lá e acolá, no mais das vezes como mediador de querelas ou em situações específicas, a maior parte circunscrita à América do Sul. No mais, para o mundo, o País foi sempre e tão somente exportador de matéria-prima e consumidor de manufaturados, sofrendo/pagando os custos econômicos, políticos e diplomáticos dessa desigualdade. Mesmo na passagem de exportador de primários para negociador global de “tudo um pouco” (serviços, manufaturados, tecnologia etc.), a participação diplomática não seguiu a reacomodação econômica e, do ponto de vista da geopolítica norte/sul, a brava gente brasileira manteve-se na posição de “povo lá de baixo” aos olhos dos bambas “lá de cima”. Coisas que De Gaulle disse e ninguém, ainda, desdisse.

A mídia “de acó” seguiu a tendência e, quando o sistema transnacional de comunicação começou a se estruturar, com o aparecimento das agências internacionais de notícia, preferiu a condição de cliente assinante ao posto de fornecedor de informação. Resultado: até hoje, veículos e jornalistas não conseguem enxergar um palmo além das fronteiras quando o assunto é informação internacional. Tirando duas ou três exceções, como Newton Carlos, não há nestas terras jornalista capaz de articular meia dúzia de linhas analíticas razoáveis sobre cenário geoestratégico. Reforçando a deficiência, a atenção, o espaço e a importância para editoria internacional nos veículos brazucas são menores que a importância da África no contexto internacional. Assim, fica explicado porque essas editorias são um mar estrangeirado de “copy-desk”... “New Yok Times”, “The Times”, “The Gardian”, “L’Express”, “Le Figaro”, “L’Oservatore Romano”, “The Washington Post”, “Los Angeles Times”, “Financial Times” e por aí vai. Do mundo, sabemos o que eles nos contam… e só.

Na cobertura (?) da Cúpula, o despreparo veio à tona. Em parte por conta da linha editorial e/ou da posição política dos veículos, deliberadamente interessados em desprestigiar o evento, em parte por incapacidade mesmo. De qualquer forma e por qualquer destas razões o resultado foi catastrófico. Cito dois exemplos. O primeiro de “Carta Capital” que, na mesma edição (18 de maio/2005), apresentou duas versões diferentes e controversas, uma reduzindo o evento a um show de ineficiência e falta de resultados (página 6, Brasiliana, Jeitinho das arábias) e outra, curtíssima, reconhecendo a importância da iniciativa (página 22, A Semana, Vale a intenção da semente). Qual valeu?

Outro exemplo, mais contundente, ficou por conta de Lúcia Hippólito, que se apresenta na CBN como comentarista política. Em 10 de maio, referindo-se à Cúpula, ao invés de abordar as dimensões diplomáticas e internacionais, preferiu comentar as conseqüências do esquema de segurança montado sobre a rotina brasiliense. O comentário não mencionou que reuniões dessa envergadura sempre, em qualquer lugar do mundo, envolvem complexos e amplos esquemas de segurança. Por exemplo: o fórum de Davos não altera somente a rotina da cidade, mas muda o cotidiano de toda a Suíça e de muitos suíços. Portanto, diferente do que sugerido pela matéria da CBN, as alterações aqui verificadas não são exceção, mas regra nesse gênero de evento. Nesta senda, o comentário ignorou, por desconhecimento ou intenções outras, as dimensões e o significado de um acontecimento internacional que reuniu dezenas de Chefes de Estado, indicando a busca de novos horizontes nas relações do Brasil com o mundo, em termos econômicos, políticos e geoestratégicos, preferindo focar congestionamentos (in)conseqüentes, dando a exata dimensão do (des)preparo dos veículos e agentes da mídia nacional para tratar o internacional. Restou o folclórico: talvez tenha sido a primeira vez na história da imprensa que, na tentativa de fazer análise de política internacional, a comentarista acabou fazendo um boletim de trânsito!

(Publicado originalmente na edição 31, de junho de 2005, da revista Semana 3)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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10:33 AM  

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