Monday, March 20, 2006

Ricardo Meirelles, set/out/nov de 2004

O biquíni e a inflação



Dias desses recebi por e-mail uma daquelas listas de frases curtas e “perspicazes”. Duas tratavam de estatísticas; uma delas clássica: “Estatístico é aquele que, se está com a cabeça em um forno e os pés no congelador, ainda diz que na média está tudo bem”. A outra é atribuída a Aaron Levenstein, a quem minha ignorância desconhece: “Estatísticas são como biquínis: o que revelam é sugestivo, mas o que escondem é essencial”.

Essa me fez lembrar de uma aula de matemática que tive no ginásio. A professora pediu para que cada um dissesse sua altura e peso. Todos informaram as medidas; depois somamos e dividimos pelo número de alunos da classe. Pronto: tínhamos a altura e o peso médio dos estudantes. O regozijo só não foi maior porque logo nos demos conta de que ninguém na classe tinha aquelas medidas. Moral da história: o “aluno médio” não existia.

A comparação com o biquíni e a história do “aluno médio” deveria abrir como pop-up toda vez que abríssemos as páginas de economia dos jornais. Assim como o maiô de duas peças, os indicadores revelam coisas muito importantes, mas escondem porções essenciais da economia.

Os índices de inflação, por exemplo — que voltaram à moda desde que o barril de petróleo começou sua escalada no mercado internacional e desde que o Banco Central começou a achar que o espetáculo do crescimento brasileiro está tão exuberante que merece um intervalo providencial. Pois bem: a atuação do BC, leva em consideração esses índices de inflação publicados nos jornais, com conseqüência mesmo para quem mora em Barão Geraldo.

Agora peço licença ao leitor para despejar a sopa de letrinhas mais comum sobre inflação.

Uma delas é o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna, o IGP-DI, calculado pela Fundação Getúlio Vargas. Ele leva em conta os preços no atacado (que têm peso de 60% na composição do índice), os preços ao consumidor nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (peso de 30%) e os custos de construção civil (peso de 10%). É muito usado para corrigir tarifas (como a de energia elétrica, por exemplo) e aluguéis (se você é inquilino, é provável que o índice escolhido para reajuste seja o IGP-DI ou algum parente dele, como o Índice Geral de Preços ao Mercado, IGP-M).

Outro índice acompanhado de perto é o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), ligada à USP, que mede a variação do custo de vida de famílias paulistanas que ganham de 1 a 20 salários mínimos.

Também é figura carimbada nessa área o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); ele reflete o custo de vida de famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos em nove regiões metropolitanas (Curitiba, Rio de Janeiro, Belém, Fortaleza, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador), além de Goiânia e Brasília. O IPCA é o índice usado como parâmetro no sistema de metas de inflação, criado em 1999 pela equipe de Armínio Fraga e mantido, como tudo o mais, pela equipe de Henrique Meirelles.

Pois bem. Quando o BC destrincha o IPCA, ele não está se debruçando sobre preços cobrados em Campinas; no entanto, se o mesmo BC eleva os juros, vá o leitor nos dias seguintes tomar dinheiro emprestado numa agência bancária...

Os índices de inflação publicados nos jornais podem até revelar algo sugestivo: uma tendência semelhante à do dia-a-dia de cada pessoa. Mas não é nos jornais que você encontra o essencial sobre a variação de seu próprio custo de vida — é no seu extrato bancário.

(Publicado originalmente na edição 26, de set/out/nov de 2004, da revista Semana 3)