Monday, March 20, 2006

Ricardo Meirelles, dezembro de 2004

Temporada de chutes



Já está aberta, caro leitor, a temporada de previsões. Se final de ano é sinônimo de correria no comércio, decorações espalhafatosas nos shoppings, 13º salário na conta corrente, novena nas igrejas e pinheiros à venda nas ruas, no mercado financeiro pipocam relatórios parrudos com projeções para os mais diversos indicadores: crescimento econômico, inflação, juros, dólar etc. e muitos outros etc.

Reconheça-se que previsões econômicas não são exclusividade do período pré-Natal — nem a decoração espalhafatosa dos shoppings, aliás. Mas este é o período por excelência em que o calendário gregoriano fornece especial inspiração para que os economistas se debrucem sobre suas tabelas à procura de pistas sobre o que poderá ocorrer “no ano que se avizinha”, como diziam os oradores de antigamente.

Em princípio, não há nada de mais nisso. Conforme vai ficando mais próximo o adeus ao ano velho e a chegada do feliz ano novo, as pessoas normais fazem projetos, os economistas fazem projeções. O problema é as previsões econômicas serem tratadas como se não fossem o que de fato são: uma indicação que reflete mais o que ocorre no presente do que o que ocorrerá no futuro. Li tempos atrás, na coluna do professor da Unicamp Jorge Coli, na "Folha de S. Paulo", uma interessante observação sobre quadros falsos: uma pintura fajuta dificilmente consegue enganar os especialistas por mais de 20 ou 30 anos, pois o falsário imita não o estilo do pintor original, mas o estilo do pintor original tal como ele é visto em determinada época. “A leitura de uma obra é feita sempre com os olhos de agora, e o falsário não escapa disso”, escreve Coli. Em economia é a mesma coisa: freqüentemente as previsões para o futuro são apenas a cópia adaptada dos indicadores do presente.

O Banco Central divulga, semanalmente, uma compilação da média (mediana, na verdade) das previsões de cerca de cem bancos, corretoras e instituições financeiras — o chamado Relatório Focus. Em 3 de janeiro de 2003, o tal relatório mostrava as apostas dos economistas para o ano recém-iniciado. Comparando-as com o que de fato ocorreu ao longo dos 12 meses seguintes, constata-se: todas as previsões eram furadas, às vezes grosseiramente furadas.

Vamos aos números (note o leitor que as previsões incluem duas casas depois da vírgula...). Em 3 de janeiro do ano passado, o mercado esperava inflação alta para 2003. A expectativa média era de que o IGP-DI, um índice que mede principalmente a variação dos preços no atacado, aumentasse 14,50% ao longo do ano. A alta, na realidade, foi de 7,66%. Para o IPCA, que mede a variação do custo de vida do consumidor, a aposta era de que houvesse salto de 11,00%. O que ocorreu foi um avanço de 9,30%. Para o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos em determinado período), esperava-se em 3 de janeiro um crescimento de 1,93%; mas o que ocorreu mesmo em 2003 foi um encolhimento de 0,20% na economia brasileira. Na balança comercial, as instituições financeiras previam que as exportações superariam as importações em US$ 15,50 bilhões; erraram por quase US$ 10 bilhões: o saldo no ano passado foi de US$ 24,80 bilhões. Só mais dois exemplos. A aposta era de que o dólar terminasse o ano cotado a R$ 3,70; fechou em R$ 2,88. Para as transações correntes (saldo das relações comerciais e financeiras entre o país e o exterior), as projeções eram de déficit equivalente a 5,90% do PIB; o que houve, porém, foi um superávit de 4,10%.

A mira ruim é exclusividade de economista tupiniquim? Claro que não. Um relatório divulgado em junho do ano passado pelo Escritório Geral de Contabilidade (GAO, na sigla em inglês), um braço do Congresso dos EUA, mostrou que, das 134 recessões que ocorreram nos mercados emergentes entre 1991 e 2001, o Fundo Monetário Internacional (FMI) só previu 15 (ou seja, 11%).

Não se trata, é claro, de desprezar os avanços na estatística e na econometria. Antes delas, futuro era apenas coisa do acaso ou dos deuses. O problema, como sintetiza o professor Fernando Costa, da Unicamp, em um resenha do livro Desafio aos deuses: a fascinante história do risco, é que os economistas “parecem ter se tornado escravos de uma nova religião, um credo tão arbitrário como qualquer outro: rezar por um modelo matemático que parece explicar tudo. Porém, o poder das emoções humanas destrói, rapidamente, esse modelo”.

(Publicado originalmente na edição 27, de dezembro de 2004, da revista Semana 3)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Best regards from NY! » »

4:41 PM  

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