Delfin, outubro de 2005
Adaptações
Hoje não vou falar de nenhum quadrinho específico. Na verdade, alguma divagação será vista por aqui. A intenção é discutir a aceitação dos quadrinhos pelo público em geral. Gostando ou não de HQs, você faz necessariamente parte deste público. Só isso já faz com que a discussão valha a pena.
A motivação para escrever esta coluna partiu das notícias sobre a adaptação, para o cinema, da minissérie de Alan Moore e David Lloyd, V de Vingança. A reclamação, como sempre, é a mesma: não há fidelidade ao roteiro original. Para piorar, os Irmãos Wachowsky simplesmente tiram a máscara do personagem-título, algo impensável para qualquer um que leu a série.
Isto me fez lembrar de outra história que tem no esconder a face do protagonista uma de seus pilares sustentatórios: Judge Dredd. Batizado no Brasil simplesmente como O Juiz, o filme mostra o rosto de Joe Dredd de forma escancarada, só porque o ator escalado era Sylvester Stallone.
A indústria cinematográfica é bem cruel. Do inferno e As aventuras da Liga Ex¬tra¬or¬di¬ná¬ria foram outros dois quadrinhos complexos que tinham, em seus roteiros cinematográficos, incongruências enormes em relação à série original de quadrinhos. O privilégio, porém, não é apenas das histórias mais elaboradas. Os heróis mais conhecidos, na verdade, são os que mais são violentados em suas essências.
Vejam, por exemplo, o recente filme do Quarteto Fantástico, no qual Victor von Doom é o dono da missão particular espacial que lança os quatro imaginautas ao espaço. Aliás, a nave não se destroça na reentrada e, é claro, a origem do Dr. Destino foi radicalmente comprometida. Mas é um filme que ainda dá pra assistir, ao contrário de Demolidor e seu spin-off, Elektra.
No primeiro, Ben Affleck está tão mal caracterizado que passamos até a reparar mais nisso do que no falso roteiro. Mas, se você gosta do ator (ou da atriz Jennifer Garner, que faz o papel de Elektra Natchios), mesmo assim você vai se abismar com o Rei do Crime negro. Pois é, o Careca conseguiu ficar pior, quem diria!
Eu juro, há um total constrangimento de minha parte quando ouço falar de obra de HQ adaptada para cinema. Os antecedentes mostram que, infelizmente, por mais que quadrinhos sejam como storyboards para quem trabalha nesta área, as obras originais nunca são fielmente seguidas, mesmo que seja um bom e detalhado gibi.
É esse preconceito no ar, essa coisa egóica de cada diretor querer personalizar tanto, criar para si uma visão interna e diferenciada de personagens, é que destrói e muito as chances de prosperidade com obras em quadrinhos. A maioria das vitrines de livrarias do Brasil não só não expõe HQ em vitrine, como meio que esconde num canto ao fundo da loja. Só sendo garimpeiro e tento muito boa-vontade.
O desejo de todo roteirista, que pensa em ver sua obra para o cinema bem adaptada, é conseguir algum controle na criação de sua obra ou adaptá-la o mais fiel quanto for possível. Senão, amigo, poderemos ler baribaridades, como os gibis de segunda linha da DC e da Marvel. E ninguém quer isso, vê?
Apesar de adaptações razoáveis, como X-Men, Superman e Estrada para Perdição, a palavra adaptação me dá arrepios. Será que o povo dos quadrinhos é tão incompetente que não consegue, de modo algum, emplacar com suas idéias e seus roteiros respeitados?
Bem fazem mesmo são os produtores de Watchmen: viu que não deu, aborta tudo. As coisas ficam bem melhores, assim.
(Publicado originalmente na edição 34, de outubro de 2005, da revista Semana 3)
Hoje não vou falar de nenhum quadrinho específico. Na verdade, alguma divagação será vista por aqui. A intenção é discutir a aceitação dos quadrinhos pelo público em geral. Gostando ou não de HQs, você faz necessariamente parte deste público. Só isso já faz com que a discussão valha a pena.
A motivação para escrever esta coluna partiu das notícias sobre a adaptação, para o cinema, da minissérie de Alan Moore e David Lloyd, V de Vingança. A reclamação, como sempre, é a mesma: não há fidelidade ao roteiro original. Para piorar, os Irmãos Wachowsky simplesmente tiram a máscara do personagem-título, algo impensável para qualquer um que leu a série.
Isto me fez lembrar de outra história que tem no esconder a face do protagonista uma de seus pilares sustentatórios: Judge Dredd. Batizado no Brasil simplesmente como O Juiz, o filme mostra o rosto de Joe Dredd de forma escancarada, só porque o ator escalado era Sylvester Stallone.
A indústria cinematográfica é bem cruel. Do inferno e As aventuras da Liga Ex¬tra¬or¬di¬ná¬ria foram outros dois quadrinhos complexos que tinham, em seus roteiros cinematográficos, incongruências enormes em relação à série original de quadrinhos. O privilégio, porém, não é apenas das histórias mais elaboradas. Os heróis mais conhecidos, na verdade, são os que mais são violentados em suas essências.
Vejam, por exemplo, o recente filme do Quarteto Fantástico, no qual Victor von Doom é o dono da missão particular espacial que lança os quatro imaginautas ao espaço. Aliás, a nave não se destroça na reentrada e, é claro, a origem do Dr. Destino foi radicalmente comprometida. Mas é um filme que ainda dá pra assistir, ao contrário de Demolidor e seu spin-off, Elektra.
No primeiro, Ben Affleck está tão mal caracterizado que passamos até a reparar mais nisso do que no falso roteiro. Mas, se você gosta do ator (ou da atriz Jennifer Garner, que faz o papel de Elektra Natchios), mesmo assim você vai se abismar com o Rei do Crime negro. Pois é, o Careca conseguiu ficar pior, quem diria!
Eu juro, há um total constrangimento de minha parte quando ouço falar de obra de HQ adaptada para cinema. Os antecedentes mostram que, infelizmente, por mais que quadrinhos sejam como storyboards para quem trabalha nesta área, as obras originais nunca são fielmente seguidas, mesmo que seja um bom e detalhado gibi.
É esse preconceito no ar, essa coisa egóica de cada diretor querer personalizar tanto, criar para si uma visão interna e diferenciada de personagens, é que destrói e muito as chances de prosperidade com obras em quadrinhos. A maioria das vitrines de livrarias do Brasil não só não expõe HQ em vitrine, como meio que esconde num canto ao fundo da loja. Só sendo garimpeiro e tento muito boa-vontade.
O desejo de todo roteirista, que pensa em ver sua obra para o cinema bem adaptada, é conseguir algum controle na criação de sua obra ou adaptá-la o mais fiel quanto for possível. Senão, amigo, poderemos ler baribaridades, como os gibis de segunda linha da DC e da Marvel. E ninguém quer isso, vê?
Apesar de adaptações razoáveis, como X-Men, Superman e Estrada para Perdição, a palavra adaptação me dá arrepios. Será que o povo dos quadrinhos é tão incompetente que não consegue, de modo algum, emplacar com suas idéias e seus roteiros respeitados?
Bem fazem mesmo são os produtores de Watchmen: viu que não deu, aborta tudo. As coisas ficam bem melhores, assim.
(Publicado originalmente na edição 34, de outubro de 2005, da revista Semana 3)
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