Monday, March 20, 2006

Delfin, junho de 2004

El cucaracha



A história é simples: um dia, Gregor Samsa acorda transformado numa barata. O resto são os conflitos cantados e decantados por muita gente, desde o próprio autor original, Franz Kafka, em seu Die Vwerwandlung (o nome original do livro "A Metamorfose") até os engraçadinhos do infame conjunto musical Inimigos do Rei.

Em que se pese todas as discussões que são geradas por esta história memorável, a Conrad deu mais um tiro certo ao trazer, para os leitores nacionais, a segunda oportunidade de se ler uma aventura dramática narrada pelo grande quadrinista americano Peter Kuper.

Apesar de você não reconhecer de cara o nome, Kuper não é tão desconhecido como se imagina. Basta pegar qualquer exemplar mais recente da revista MAD, especificamente na seção Spy vs Spy, que você encontrará o traço inconfundível dele, que foi escolhido para continuar o trabalho brilhante da página humorística criada pelo cubano anti-castrista Antonio Prohias.

Outro traalho de Kuper publicado no país é a edição especial "O Sistema", que foi produzida pelo autor para o selo Vertigo da DC Comics. O principal ponto narrativo da história é o fato de não se utilizar, em momento algum da história, o recurso dos balões de fala. É uma profusão de ações num cenário mudo pouco usual: a própria cidade de Nova York, ponto de referência da obra do artista. Afinal, é lá que vive, juntamente com sua esposa e filha.

Foi no prestigioso "The New York Times" que Kuper conseguiu quebrar um tabu: sua tira semanal Eye of the Beholder (algo como "O Olho de Quem Vê") foi a primeira a ser publicada no sisudo jornalão. Isso acabou projetando de vez seu nome num mercado competitivo e restritivo nos Estados Unidos: o de quadrinistas que não trabalham com heróis, mas, sim, com visões próprias da realidade e do mundo.

O estilo vigoroso de Peter Kuper, muito mais opressivo quando utilizado no contraste duro do preto e branco, pode ser conferido em seu A Metamorfose, segunda adaptação de Franz Kafka produzida pelo artista. Como eu já disse, a história é conhecida. Mas as sombras criadas por Kuper dão, logo de cara, o tom para quem se acostumou a ver aquela história apenas com as tipologias típicas de um livro.

Aliás, o adaptador também se reinventa, utilizando o recurso da fala, ao qual pouco recorre, de maneira coerente e bem interessante. A letrista da versão nacional não poderia ser outra: Lilian Mitsunaga, a mais conhecida e mais talentosa profissional dessa área que, certamente, é o patinho feio da produção de quadrinhos. Não por isso menos importante, sendo que, nessa obra, isso se faz muito presente, com cada personagem tenho seu tom de fala definido por tipologias bem escolhidas e de acordo com o caráter e a posição de cada personagem na história.

Talvez você, que já conheça bem o trabalho do bom Franz nascido em Praga, não sinta necessidade em sentir o terror ao ler, à baixa luz, esta bela adaptação de quadrinhos. Seria triste: esse livro é uma obra de arte tão bela quanto o seu original.

(Publicado originalmente na edição 24, de junho de 2004, do jornal Semana 3)

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