Monday, March 20, 2006

Delfin, maio de 2005

Ordem



As experiências que levam à publicação de quadrinhos nacionais no Brasil são quase sempre revestidas de coragem e bravatas. Poucas vezes, no entanto, existe um projeto consistente por trás, que envolve políticas específicas de mercado e fatores normalmente esquecidos, como distribuição, público-alvo e possibilidade comercial da edição pretendida. Aliás, muitos projetos morrem na praia e nem chegam às bancas quando todas as contas são feitas. Mas alguns procuram alternativas e conseguem chegar lá.

Um grande exemplo dos últimos 10 anos foi Holy Avenger, que enveredou pelo perigoso caminho do RPG combinado aos quadrinhos, mas que logrou um sucesso inesperado pelo mercado, visto que a revista era desdenhada por muitos profissionais decanos. A publicação marca a chegada definitiva da influência do estilo mangá ao traço nacional. Hoje, um pouco graças a HA, existem inúmeros fanzines e revistas que adotam o traço japonês como base.

Mas há ainda aqueles que insistem em se basear na escola mais tradicional de quadrinhos para criar seu projeto. E viva a diversidade: quando surgiu, nas livrarias, a primeira edição da Front, a idéia de uma publicação coletiva de quadrinistas nacionais pareceu mesmo muito boa. A cada número, as edições melhoravam consideravelmente de qualidade. Ao mesmo tempo, o coletivo, que se reúne numa lista de discussão, começou a perceber que um pouco dessa qualidade se devia à presença de um editor que tinha direito a voto e veto (no caso, Jotapê Martins, da Via Lettera, que publica a revista). Nem todos concordam com uma política editorial mais ferrenha num projeto coletivo, mesmo que isso seja para o bem da publicação. Esta é só uma das divergências surgida no coletivo Front. Elas levaram, no fim, à revista Kaos.

Fiquei sabendo da idéia há dois anos, dividindo um quarto de hotel na camaradagem com Sam Hart, um dos mentores da revista. Enquanto conversávamos sobre o evento em que estávamos (a 2ª FIQ, em Belo Horizonte), ele falou sobre a Kaos, que estava em negociações com uma editora para publicação em bancas.

Parecia meio loucura. Ainda mais quando descobri que a editora em questão era a Pandora Books. Cheguei a ver o boneco na revista ainda em 2003, quase que exatamente como ele chegou às bancas, quase um ano depois. A Pandora ia mal das pernas e, com o seu fim, a Kaos ficou sem casa. Mas os parceiros do projeto, como Sandro Castelli, Jean Canesqui, Anderson Cabral e o próprio Sam Hart, não estavam dispostos a deixar aquilo morrer na praia. A Kaos encontrou uma nova casa, a editora Manticora. Hoje, eles se preparam para o lançamento do número 3, barreira psicológica de qualquer quadrinho brasileiro.

Não é tão surpreendente assim. Quando se lê as duas edições iniciais da revista, se percebe logo de cara que ali residem boas idéias, formatação gráfica profissional e que nada ali foi jogado ao acaso. Há espaço tanto para séries quanto para histórias isoladas, o que é típico da escola inglesa de quadrinhos, como as clássicas 2000AD, Deadline e Warrior. Algo difícil de se levar avante, principalmente no início, quando o leitor não sabe ainda muito bem o que esperar de tudo aquilo.

Impressão de primeira, capa com tratamento especial, boas histórias e entrevistas surpreendentes, como as exclusivas de Alan Moore (realizada em 2000 e nunca antes publicada) e David Lloyd e as interessantes revelações de Marcelo Cassaro e Lourenço Mutarelli, dois dos nomes de maior êxito nas HQs atuais brasileiras.

Custa R$ 7,50. E vale cada tostão.

(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Very cool design! Useful information. Go on! » »

12:56 PM  

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