Delfin, mar/abr de 2005
Amor y cohetes
Eu nem me lembro direito em que momento, já na década de 90, eu li, tardiamente, a primeira aventura dos irmãos Hernandez. Acho que foi na clássica revista “Animal”, mas não posso garantir. O que sei é que, quando a editora Record lançou, à época do grande boom dos quadrinhos, em 1991, a revista regular deles, intitulada simplesmente Love and Rockets, soube que estava definitivamente contaminado pelo meme do quadrinho underground americano. L&R e sua série irmã, “Locas”, eram simplesmente muito boas e não havia como ficar indiferente.
Ou havia: o título não vingou, apesar da insistência da editora, que lançara, inclusive, um volume “de luxo” (na verdade, só um pouco menos pobrinho) intitulado “Crônicas de Palomar”. Especificamente neste volume, o trabalho era no universo específico desenvolvido por Gilbert ‘Beto’ Hernandez. Histórias sobre um vilarejo miserável em algum lugar entre o México, o Texas e uma imaginação estelar. Estas histórias faziam parte de um grande arco enredado de forma nada convencional, que foi chamado por seu criador de Sopa de Gran Peña.
O título se refere à famosa história da sopa de pedra, na qual se diz que é possível fazer uma sopa com uma pedra: é só acrescentar ingredientes, para deixar o gosto melhor, ferver e, no fim, retirar o pedregulho. No caso do enredo de Beto Hernandez, esta rocha pode ser muitas coisas: a vila de Palomar, a pobreza, os atritos pessoais ou, em última análise, a vida miserável que a maioria dos habitantes do lugarejo aturam. Os outros ingredientes é que dão o tom desta série indispensável.
O título, no entanto, tem outro significado: sopa dos corações partidos. Pois esta obra fala intensamente de relacionamentos, que invariavelmente não são perfeitos, não sendo raro que dêem muito errado.
Love and Rockets, iniciada em 1982 e recentemente concluída em seu número 50, inovou em muitos aspectos: a voz narrativa, os conflitos humanos reais, o envelhecimento dos personagens como mote natural da vida. Eram personagens em que se podia acreditar, que nasciam, cresciam, viviam e morriam. E que, enquanto viviam, tinham crises, engordavam, tinham ciúmes, comportamento transgressor e muitas outras características que, hora ou outra, sempre afetam cada pessoa.
Muitas tramas paralelas foram criadas no universo de Love and Rockets: além do universo de Palomar, existem também, por exemplo, as mitologias paralelas de Mechanics (que incluem as badaladas Maggie e Hopey, além da coquete Penny Century, personagens criados pelo outro irmão, Jaime), do super-herói BEM e, também, de um material seriamente inclassificável (intitulado, nos EUA, de “Satyricon dos Hernandez”).
Todo este fantástico universo pode até demorar para chegar por aqui. Mas, ao menos, a republicação (ainda que fora de ordem), baseada nos álbuns da editora original dos irmãos (a Fantagraphics), já começou. O trabalho é da editora Via Lettera, que faz um trabalho competente e mostra que, mesmo após a saída de Jotapê Martins (o tradutor de HQs mais conhecido do País) de seus quadros, aponta que, em seu caminho, continuarão a aparecer os quadrinhos mundiais de qualidade. Por exemplo: em seus planos está a republicação de Watchmen em álbuns preto-e-brancos (que, infelizmente, privam o leitor da brilhante cor de John Higgins) e a conclusão de Bone.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
Eu nem me lembro direito em que momento, já na década de 90, eu li, tardiamente, a primeira aventura dos irmãos Hernandez. Acho que foi na clássica revista “Animal”, mas não posso garantir. O que sei é que, quando a editora Record lançou, à época do grande boom dos quadrinhos, em 1991, a revista regular deles, intitulada simplesmente Love and Rockets, soube que estava definitivamente contaminado pelo meme do quadrinho underground americano. L&R e sua série irmã, “Locas”, eram simplesmente muito boas e não havia como ficar indiferente.
Ou havia: o título não vingou, apesar da insistência da editora, que lançara, inclusive, um volume “de luxo” (na verdade, só um pouco menos pobrinho) intitulado “Crônicas de Palomar”. Especificamente neste volume, o trabalho era no universo específico desenvolvido por Gilbert ‘Beto’ Hernandez. Histórias sobre um vilarejo miserável em algum lugar entre o México, o Texas e uma imaginação estelar. Estas histórias faziam parte de um grande arco enredado de forma nada convencional, que foi chamado por seu criador de Sopa de Gran Peña.
O título se refere à famosa história da sopa de pedra, na qual se diz que é possível fazer uma sopa com uma pedra: é só acrescentar ingredientes, para deixar o gosto melhor, ferver e, no fim, retirar o pedregulho. No caso do enredo de Beto Hernandez, esta rocha pode ser muitas coisas: a vila de Palomar, a pobreza, os atritos pessoais ou, em última análise, a vida miserável que a maioria dos habitantes do lugarejo aturam. Os outros ingredientes é que dão o tom desta série indispensável.
O título, no entanto, tem outro significado: sopa dos corações partidos. Pois esta obra fala intensamente de relacionamentos, que invariavelmente não são perfeitos, não sendo raro que dêem muito errado.
Love and Rockets, iniciada em 1982 e recentemente concluída em seu número 50, inovou em muitos aspectos: a voz narrativa, os conflitos humanos reais, o envelhecimento dos personagens como mote natural da vida. Eram personagens em que se podia acreditar, que nasciam, cresciam, viviam e morriam. E que, enquanto viviam, tinham crises, engordavam, tinham ciúmes, comportamento transgressor e muitas outras características que, hora ou outra, sempre afetam cada pessoa.
Muitas tramas paralelas foram criadas no universo de Love and Rockets: além do universo de Palomar, existem também, por exemplo, as mitologias paralelas de Mechanics (que incluem as badaladas Maggie e Hopey, além da coquete Penny Century, personagens criados pelo outro irmão, Jaime), do super-herói BEM e, também, de um material seriamente inclassificável (intitulado, nos EUA, de “Satyricon dos Hernandez”).
Todo este fantástico universo pode até demorar para chegar por aqui. Mas, ao menos, a republicação (ainda que fora de ordem), baseada nos álbuns da editora original dos irmãos (a Fantagraphics), já começou. O trabalho é da editora Via Lettera, que faz um trabalho competente e mostra que, mesmo após a saída de Jotapê Martins (o tradutor de HQs mais conhecido do País) de seus quadros, aponta que, em seu caminho, continuarão a aparecer os quadrinhos mundiais de qualidade. Por exemplo: em seus planos está a republicação de Watchmen em álbuns preto-e-brancos (que, infelizmente, privam o leitor da brilhante cor de John Higgins) e a conclusão de Bone.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
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