Monday, March 20, 2006

Delfin, fevereiro de 2005

HQ sem receita



É bem raro que alguém que se pretenda jornalista cultural não acabe se envolvendo, em algum momento, com a produção de um fanzine. A maioria não resiste ao apelo, cada vez mais acessível, de deter o meio de comunicação para si, para que as próprias idéias sejam difundidas sem qualquer distorção, como foram concebidas. Foi a partir de fanzines que muita coisa interessante surgiu nos mundos escrito e visual – inclusive nas versões eletrônicas, como o mailzine. Foi também a partir desta base que surgiu a matriz da revista Tarja Preta.

Na real, ela é uma extensão do fanzine produzido pelo seu mentor, o jornalista e fotógrafo Matias Maxx. O projeto foi sendo gestado por oito anos, até nacer finalmente em 2004, com o lançamento da primeira edição. O nome da revista se refere, originalmente, às barras negras inseridas nos olhos de infratores menores de idade nos periódicos e impressos oficiais de décadas passadas. Mas, obviamente, também remete aos remédios mais fortes encontrados nas farmácias nacionais.

Assim como esses remédios, Tarja Preta não é para qualquer um. Se você, por acaso, adorar a turma do Mickey, da Mônica ou achar uma heresia falar mal de bichinhos fofinhos, desista, a revista não é para você. Se você tem saudade da ditatura, da discliplina militar, dos valores morais que são aprendidos nos colégios decanos, é melhor também passar longe. Na publicação, comandada por Juca e pelo próprio Maxx, a liberdade impera. Doa a quem quiser que doa.

Certamente o mais representativo personagem da Tarja Preta é o icônico Capitão Presença. O herói é adepto do cigarro de cânhamo (que, para os menos puristas, é chamado sem nenhuma cerimônia de baseado) e está sempre pronto para auxiliar aquelas pobres almas, necessitadas e ávidas pela calmaria proporcionada pela droga que estampa seu uniforme. Mas não se deixe levar pelo preconceito: a revista, que está com o quarto número no prelo, tem muita mais. Nomes já conhecidos do novo underground nacional, como Allan Sieber, MZK, Schiavon, Arnaldo Branco, Dunia e Fábio Zimbres (além de muitos outros) abrilhantam um festival de quadrinhos que, se são aparentemente toscos na forma, apresentam no discurso o tom do atual humor brasileiro, completamente sem máscaras e sem politicismos corretos.

A falta de periodicidade da revista não deve assustar. Não é falta de seriedade ou compromisso, é simplesmente assim que um fanzine funciona: ele vai às ruas quando algo precisa ser dito, o que é o modo mais honesto de se publicar qualquer coisa, sem fazer o leitor perder tempo com assuntos que não valham a pena. Para se tornar mais acessível, também a impressão é econômica, utlizando um papel de qualidade inferior ao das revistas normais e apenas duas cores na capa – o miolo é, claro, preto e branco.

Mas Tarja Preta não é fundamental. Você pode passar sem, sério. Porém, perde a chance única de acompanhar a explosão de novos talentos nacionais num cenário tão desgastado como o nosso.

Pronto para procurar numa banca de revista? Desista.Você pode adquiri-la em pontos de venda especiais ou pelo correio. Em Campinas, especificamente, ela é encontrada na gloriosa Banca Central, na av. Santa Isabel, 29, justamente em Barão Geraldo. Mas, caso você não encontre, basta consultar os modos de aquisição da publicação pelo website oficial de Matias Maxx: www.cucaracha.com.br.

(Publicado originalmente na edição 28, de fevereiro de 2005, da revista Semana 3)

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