Delfin, março de 2006
End in the end
Tudo chega ao fim um dia. Tudo. A vida, os amores, o planeta, o dia, pode pensar no que você quiser. De um modo ou outro, qualquer coisa que possamos imaginar acaba. Inclusive o tempo.
É, é estranho, mas você deve se lembrar que é graças ao sentido humano de tempo que as coisas se originam e também se encerram. O tempo é a chave de tudo para a humanidade. E as viagens no tempo, tema comum na ficção, só têm sentido para os homens. Para a nossa percepção.
Proponho uma viagem rápida até setenta anos atrás. Naquele longínqüo 1936, nascia o primeiro herói mascarado, o Fantasma, criado por Lee Falk. E a noção de tempo já estava presente. Afinal, ele é o espírito-que-anda e, portanto, é imortal, graças a uma certeira artimanha: a linhagem hereditária — que, de certa forma, não deixa de ser uma maldição — que leva todo Kit Walker a se tornar o próximo protetor de uma linhagem que dura mais de 400 anos.
Logo de cara, o primeiro herói tinha a solução para aquele que viria a ser o principal paradoxo da indústria dos quadrinhos ocidentais: a finitude de seus personagens. Nos EUA, isso leva a crises, a guerras secretas e todo tipo de invencionismo. Nos quadrinhos infantis, ao imobilismo do crescimento dos personagens, tornando-os muitas vezes crianças com décadas de vidas — e aí, talvez, as criações de Maurício de Sousa tenham sido as que foram melhor talhadas para suportar a pressão do tempo, em vista do bom humor dos roteiristas de suas histórias, que brincam sem qualquer amarra com a idéia, genuinamente temporal, da cronologia.
Os altos e baixos dos heróis possuem isso de ruim: a finitude inexistente. O mercado sempre ditou o tempo que cada personagem deveria durar. O mesmo mercado que nunca se adaptou à ideia de que ele poderia ter maior controle sobre este aspecto criativo. Teve que acontecer uma guerra e, nela, um grande incidente em Pearl Harbor para que tudo se movimentasse na busca de outra solução.
Enquanto os heróis americanos se eternizavam artificialmente e os europeus ensaiavam os primeiros passos rumo à aventura, os japoneses descobriram, muito rapidamente, que o eterno na mente dos leitores se fixa muito melhor quando se cria um mito, se desenvolve o mesmo e, depois, se encerra a criação. O paradigma dos mangás, de histórias contidas, demorou décadas para ser assimilada no ocidente. E é o grande motivo do sucesso de séries recentes, como Sandman, Y – The last man, 100 Balas e Cerebus.
Digo tudo isso porque entender o fim dos ciclos é importante. Nem sempre, no entanto, estes ciclos são planejados. Às vezes acontecem de modo fortuito e incontrolável. E, nestes casos, o tempo, aquele que se seguirá a este fim, é que irá mostrar quem chegou para ser lembrado no futuro e quem nasceu para ser esquecido.
Esta edição de Semana 3 marca o fim de um destes ciclos. Todos sabem que estou por aqui desde muito antes do primeiro número, seja na escolha do nome do jornal (que, poucos sabem, começou com o fim do fanzine El Justiciero), seja na escolha do logo, da periodicidade, das cores predominantes, do formato sempre diferenciado, do conceito sempre inovador.
Certamente Barão Geraldo e Campinas não merecem ser privados da informação contida nestas páginas, das grandes entrevistas, das polêmicas. Mas, ao menos por enquanto, é hora de fechar esta porta e lembrar. Até o dia, claro, que alguém resolva reabri-la. Que seja breve.
(Publicado originalmente na edição 37, de março de 2006, da revista Semana 3)
Tudo chega ao fim um dia. Tudo. A vida, os amores, o planeta, o dia, pode pensar no que você quiser. De um modo ou outro, qualquer coisa que possamos imaginar acaba. Inclusive o tempo.
É, é estranho, mas você deve se lembrar que é graças ao sentido humano de tempo que as coisas se originam e também se encerram. O tempo é a chave de tudo para a humanidade. E as viagens no tempo, tema comum na ficção, só têm sentido para os homens. Para a nossa percepção.
Proponho uma viagem rápida até setenta anos atrás. Naquele longínqüo 1936, nascia o primeiro herói mascarado, o Fantasma, criado por Lee Falk. E a noção de tempo já estava presente. Afinal, ele é o espírito-que-anda e, portanto, é imortal, graças a uma certeira artimanha: a linhagem hereditária — que, de certa forma, não deixa de ser uma maldição — que leva todo Kit Walker a se tornar o próximo protetor de uma linhagem que dura mais de 400 anos.
Logo de cara, o primeiro herói tinha a solução para aquele que viria a ser o principal paradoxo da indústria dos quadrinhos ocidentais: a finitude de seus personagens. Nos EUA, isso leva a crises, a guerras secretas e todo tipo de invencionismo. Nos quadrinhos infantis, ao imobilismo do crescimento dos personagens, tornando-os muitas vezes crianças com décadas de vidas — e aí, talvez, as criações de Maurício de Sousa tenham sido as que foram melhor talhadas para suportar a pressão do tempo, em vista do bom humor dos roteiristas de suas histórias, que brincam sem qualquer amarra com a idéia, genuinamente temporal, da cronologia.
Os altos e baixos dos heróis possuem isso de ruim: a finitude inexistente. O mercado sempre ditou o tempo que cada personagem deveria durar. O mesmo mercado que nunca se adaptou à ideia de que ele poderia ter maior controle sobre este aspecto criativo. Teve que acontecer uma guerra e, nela, um grande incidente em Pearl Harbor para que tudo se movimentasse na busca de outra solução.
Enquanto os heróis americanos se eternizavam artificialmente e os europeus ensaiavam os primeiros passos rumo à aventura, os japoneses descobriram, muito rapidamente, que o eterno na mente dos leitores se fixa muito melhor quando se cria um mito, se desenvolve o mesmo e, depois, se encerra a criação. O paradigma dos mangás, de histórias contidas, demorou décadas para ser assimilada no ocidente. E é o grande motivo do sucesso de séries recentes, como Sandman, Y – The last man, 100 Balas e Cerebus.
Digo tudo isso porque entender o fim dos ciclos é importante. Nem sempre, no entanto, estes ciclos são planejados. Às vezes acontecem de modo fortuito e incontrolável. E, nestes casos, o tempo, aquele que se seguirá a este fim, é que irá mostrar quem chegou para ser lembrado no futuro e quem nasceu para ser esquecido.
Esta edição de Semana 3 marca o fim de um destes ciclos. Todos sabem que estou por aqui desde muito antes do primeiro número, seja na escolha do nome do jornal (que, poucos sabem, começou com o fim do fanzine El Justiciero), seja na escolha do logo, da periodicidade, das cores predominantes, do formato sempre diferenciado, do conceito sempre inovador.
Certamente Barão Geraldo e Campinas não merecem ser privados da informação contida nestas páginas, das grandes entrevistas, das polêmicas. Mas, ao menos por enquanto, é hora de fechar esta porta e lembrar. Até o dia, claro, que alguém resolva reabri-la. Que seja breve.
(Publicado originalmente na edição 37, de março de 2006, da revista Semana 3)
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