Bruno Ribeiro, novembro de 2005
Uma bicicleta vermelha
Se eu disser que tive um encontro amoroso com a Jennifer Lopez ou que fui indicado para o Nobel de Literatura, todo mundo acredita. Mas quando digo que não tenho celular e não sei dirigir, acham que estou tirando onda. É comum, no trabalho, que um entrevistado peça o número do meu celular. Quando respondo que não tenho, as pessoas acham que estou mentindo. Como assim, um jornalista sem celular? Impossível. Indignadas, me perguntam como é possível que eu leve uma vida normal sem celular. E se o carro quebrar, de madrugada, numa estrada deserta, como é que faz? Aí vem o melhor: digo que também não tenho carro e sequer dirijo. As pessoas fazem cara de espanto, outras de pena. De duas uma: sou pobre ou débil mental. Não ter um carro e um celular jamais pode ser uma opção racional. Tem de ter uma razão de fundo psicológico, algo que Freud explique.
É engraçada a lógica cartesiana. Sendo homem e jovem, devo, naturalmente, gostar de carros, velocidade e de um celular que não pare de tocar em público, denotando a minha popularidade. A tecnologia, nestes casos, é demonstrativa de poder. Em longo artigo, publicado em meu blog, explico as razões pelas quais não quis ter carro. Dentre elas a certeza de que vivo melhor sem essa obrigação. Não sei quanto custa um litro de gasolina, nem tenho de disputar uma vaga quando quero beber por aí. Chego de táxi e ainda posso encher a cara, porque não causarei nenhum acidente por estar embriagado. No final do mês, gasto menos com táxi do que qualquer motorista gasta com a manutenção do veículo. E livre também da conta do celular, posso investir esse dinheiro em coisas mais produtivas, como livros, discos, vinhos e viagens, por exemplo.
A grande dúvida, que parece tirar o sono das pessoas, é sempre uma: como faço para não me preocupar com o fato de não ter carro e celular? Diante desta grande questão filosófica, todas as outras perdem o sentido. Consigo chegar aos compromissos na hora marcada? Consigo “catar” mulher? Consigo realmente ser feliz? Sim, eu consigo, eu consigo! Mas minha palavra não basta. Não é possível que exista tal desprendimento. Malu Mader recusou um milhão de reais para posar nua. E há quem diga que se a oferta fosse para dois milhões, ela topava. Topava coisa nenhuma. Entre um milhão e dois não há muita diferença, você se torna milionário de qualquer maneira. Ela não tirou a roupa porque não quis, simples assim. Moralismo ou não, o fato é que prevaleceu a opinião dela, contrariando a lógica econômica. Esse mundo da competição se nega a aceitar que existam pessoas de princípios, capazes de recusar montanhas de dinheiro em nome de uma reputação.
A embromação toda foi para chegar aqui: não adianta buscar cabelo em ovo. Quem acredita piamente que dinheiro pode comprar a tudo e a todos; quem tem certeza de que os homens são capazes de qualquer trapaça para chegar ao poder; quem acha que o “ter” sempre prevalecerá ao “ser” neste mundo, está redondamente enganado. Isto talvez responda a dúvida de um leitor, que me escreveu perguntando o que eu faria se ganhasse uma Ferrari, daquelas vermelhinhas. Ele desafia: “aposto e ganho que você ficaria com ela”. Sem dúvida! Mas eu a venderia e voltaria a andar de táxi, como sempre fiz. Com o dinheiro do carro eu conheceria países distantes, como um ex-professor. Estressado com o trânsito de São Paulo, abandonou tudo e se mandou para o Vietnã. Poderia ser qualquer outro lugar, mas este foi o primeiro país que ele viu no mapa. Encontrou a mulher de sua vida, virou escritor e hoje anda pelo vilarejo em sua bicicleta vermelha, como se pilotasse uma Ferrari.
(Publicado originalmente na edição 35, de novembro de 2005, da revista Semana 3)
Se eu disser que tive um encontro amoroso com a Jennifer Lopez ou que fui indicado para o Nobel de Literatura, todo mundo acredita. Mas quando digo que não tenho celular e não sei dirigir, acham que estou tirando onda. É comum, no trabalho, que um entrevistado peça o número do meu celular. Quando respondo que não tenho, as pessoas acham que estou mentindo. Como assim, um jornalista sem celular? Impossível. Indignadas, me perguntam como é possível que eu leve uma vida normal sem celular. E se o carro quebrar, de madrugada, numa estrada deserta, como é que faz? Aí vem o melhor: digo que também não tenho carro e sequer dirijo. As pessoas fazem cara de espanto, outras de pena. De duas uma: sou pobre ou débil mental. Não ter um carro e um celular jamais pode ser uma opção racional. Tem de ter uma razão de fundo psicológico, algo que Freud explique.
É engraçada a lógica cartesiana. Sendo homem e jovem, devo, naturalmente, gostar de carros, velocidade e de um celular que não pare de tocar em público, denotando a minha popularidade. A tecnologia, nestes casos, é demonstrativa de poder. Em longo artigo, publicado em meu blog, explico as razões pelas quais não quis ter carro. Dentre elas a certeza de que vivo melhor sem essa obrigação. Não sei quanto custa um litro de gasolina, nem tenho de disputar uma vaga quando quero beber por aí. Chego de táxi e ainda posso encher a cara, porque não causarei nenhum acidente por estar embriagado. No final do mês, gasto menos com táxi do que qualquer motorista gasta com a manutenção do veículo. E livre também da conta do celular, posso investir esse dinheiro em coisas mais produtivas, como livros, discos, vinhos e viagens, por exemplo.
A grande dúvida, que parece tirar o sono das pessoas, é sempre uma: como faço para não me preocupar com o fato de não ter carro e celular? Diante desta grande questão filosófica, todas as outras perdem o sentido. Consigo chegar aos compromissos na hora marcada? Consigo “catar” mulher? Consigo realmente ser feliz? Sim, eu consigo, eu consigo! Mas minha palavra não basta. Não é possível que exista tal desprendimento. Malu Mader recusou um milhão de reais para posar nua. E há quem diga que se a oferta fosse para dois milhões, ela topava. Topava coisa nenhuma. Entre um milhão e dois não há muita diferença, você se torna milionário de qualquer maneira. Ela não tirou a roupa porque não quis, simples assim. Moralismo ou não, o fato é que prevaleceu a opinião dela, contrariando a lógica econômica. Esse mundo da competição se nega a aceitar que existam pessoas de princípios, capazes de recusar montanhas de dinheiro em nome de uma reputação.
A embromação toda foi para chegar aqui: não adianta buscar cabelo em ovo. Quem acredita piamente que dinheiro pode comprar a tudo e a todos; quem tem certeza de que os homens são capazes de qualquer trapaça para chegar ao poder; quem acha que o “ter” sempre prevalecerá ao “ser” neste mundo, está redondamente enganado. Isto talvez responda a dúvida de um leitor, que me escreveu perguntando o que eu faria se ganhasse uma Ferrari, daquelas vermelhinhas. Ele desafia: “aposto e ganho que você ficaria com ela”. Sem dúvida! Mas eu a venderia e voltaria a andar de táxi, como sempre fiz. Com o dinheiro do carro eu conheceria países distantes, como um ex-professor. Estressado com o trânsito de São Paulo, abandonou tudo e se mandou para o Vietnã. Poderia ser qualquer outro lugar, mas este foi o primeiro país que ele viu no mapa. Encontrou a mulher de sua vida, virou escritor e hoje anda pelo vilarejo em sua bicicleta vermelha, como se pilotasse uma Ferrari.
(Publicado originalmente na edição 35, de novembro de 2005, da revista Semana 3)
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