Bruno Ribeiro, mar/abr de 2005
Gosto não se discute?
No fim de fevereiro escrevi uma crítica sobre o novo livro de Rubem Alves, “Um Céu Numa Flor Silvestre”. A minha opinião (negativa) sobre a obra do escritor foi publicada, inicialmente, no Caderno C, do jornal “Correio Popular” e, pouco depois, em forma de mini-resenha, nesta Semana 3. Surpreendi-me com a polêmica que o texto gerou após a resposta do autor ofendido, dada por escrito em sua coluna, na qual, entre outras coisas, há uma ameaça velada de processar-me por difamação e a insinuação de que um “mero subordinado” do jornal não pode ter opinião própria. Segundo ele, minha crítica teria sido obra de uma ordem superior.
Confesso que, diferentemente do autor, diverti-me muito com o qüiproquó causado por sua vaidade ferida. Discutir os limites da crítica e da imprensa é uma atividade saudável e necessária em tempos de tantos abusos. Fala-se muito que debates não levam a nada. Mas debates ajudam no crescimento humano. O problema é que a hipocrisia e a falsa cordialidade parecem ser traços culturais da elite campineira. Aqui só se fala mal pelas costas. Honestidade e transparência são quase sinônimos de grosseria.
Uma crítica não pode partir do gosto pessoal, mas da qualidade da obra analisada. E gosto não tem relação com qualidade. Uma das maiores mentiras é a de que “gosto não se discute”, o lema do egocentrismo e da mediocridade. Com este decreto, legitima-se tudo: o nazismo, a pedofilia, o racismo, a alienação. O crítico tem o direito de manifestar, com total liberdade, sua opinião. Os leitores têm o direito de concordar com ele ou não. Simples assim.
Alguns leitores sentiram-se ofendidos porque um “jovem repórter” escreveu que o "velho sábio" não escreve bons livros – como se velhos estivessem sempre com a razão, pelo fato de serem velhos. O melhor professor que tive na vida ensinou-me que a idade não pode servir de pretexto para oprimir e dominar o outro. Por isso não chamo ninguém de “senhor”. Quem tem “senhor” é escravo. Respeito é bom e declaro respeitar Rubem Alves como homem. Somos – ele e eu – humanistas. E por isso entendemos que opiniões divergentes não devem incitar o ódio, mas ajudar no fortalecimento da democracia.
Cartas e e-mails entupiram a redação: umas favoráveis a mim, outras favoráveis a ele, no pleno exercício da cidadania. Lamento apenas que a discussão tenha se dado num nível tão raso. Os que não concordaram comigo chamaram-me de “covarde”, “amargo”, “frustrado”, “neófito”, “reacionário”, “zé ninguém”, “invejoso”. Também contra Rubem Alves pesaram adjetivos parecidos. A lista de insultos é interminável, mas não os tomei como agressões pessoais; sei que o “gosto não se discute” é o verdadeiro culpado pela falta de visão crítica da sociedade. O pensamento corrente é: se eu gosto, então é bom; se não gosto, é ruim. Como se “eu” fosse a medida de todas as coisas.
De toda maneira, penso que a polêmica serviu para recordar aos leitores que o jornal pode e deve ser um local de embates intelectuais que incite a sociedade a se posicionar ideologicamente e crescer. Para isto nasceu a imprensa, não para vender anúncios – como tem acontecido hoje em dia.
Ao contrário de Rubem Alves, não gosto de citações, mas não quis perder a oportunidade de fechar a coluna com uma frase de Voltaire: “Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
No fim de fevereiro escrevi uma crítica sobre o novo livro de Rubem Alves, “Um Céu Numa Flor Silvestre”. A minha opinião (negativa) sobre a obra do escritor foi publicada, inicialmente, no Caderno C, do jornal “Correio Popular” e, pouco depois, em forma de mini-resenha, nesta Semana 3. Surpreendi-me com a polêmica que o texto gerou após a resposta do autor ofendido, dada por escrito em sua coluna, na qual, entre outras coisas, há uma ameaça velada de processar-me por difamação e a insinuação de que um “mero subordinado” do jornal não pode ter opinião própria. Segundo ele, minha crítica teria sido obra de uma ordem superior.
Confesso que, diferentemente do autor, diverti-me muito com o qüiproquó causado por sua vaidade ferida. Discutir os limites da crítica e da imprensa é uma atividade saudável e necessária em tempos de tantos abusos. Fala-se muito que debates não levam a nada. Mas debates ajudam no crescimento humano. O problema é que a hipocrisia e a falsa cordialidade parecem ser traços culturais da elite campineira. Aqui só se fala mal pelas costas. Honestidade e transparência são quase sinônimos de grosseria.
Uma crítica não pode partir do gosto pessoal, mas da qualidade da obra analisada. E gosto não tem relação com qualidade. Uma das maiores mentiras é a de que “gosto não se discute”, o lema do egocentrismo e da mediocridade. Com este decreto, legitima-se tudo: o nazismo, a pedofilia, o racismo, a alienação. O crítico tem o direito de manifestar, com total liberdade, sua opinião. Os leitores têm o direito de concordar com ele ou não. Simples assim.
Alguns leitores sentiram-se ofendidos porque um “jovem repórter” escreveu que o "velho sábio" não escreve bons livros – como se velhos estivessem sempre com a razão, pelo fato de serem velhos. O melhor professor que tive na vida ensinou-me que a idade não pode servir de pretexto para oprimir e dominar o outro. Por isso não chamo ninguém de “senhor”. Quem tem “senhor” é escravo. Respeito é bom e declaro respeitar Rubem Alves como homem. Somos – ele e eu – humanistas. E por isso entendemos que opiniões divergentes não devem incitar o ódio, mas ajudar no fortalecimento da democracia.
Cartas e e-mails entupiram a redação: umas favoráveis a mim, outras favoráveis a ele, no pleno exercício da cidadania. Lamento apenas que a discussão tenha se dado num nível tão raso. Os que não concordaram comigo chamaram-me de “covarde”, “amargo”, “frustrado”, “neófito”, “reacionário”, “zé ninguém”, “invejoso”. Também contra Rubem Alves pesaram adjetivos parecidos. A lista de insultos é interminável, mas não os tomei como agressões pessoais; sei que o “gosto não se discute” é o verdadeiro culpado pela falta de visão crítica da sociedade. O pensamento corrente é: se eu gosto, então é bom; se não gosto, é ruim. Como se “eu” fosse a medida de todas as coisas.
De toda maneira, penso que a polêmica serviu para recordar aos leitores que o jornal pode e deve ser um local de embates intelectuais que incite a sociedade a se posicionar ideologicamente e crescer. Para isto nasceu a imprensa, não para vender anúncios – como tem acontecido hoje em dia.
Ao contrário de Rubem Alves, não gosto de citações, mas não quis perder a oportunidade de fechar a coluna com uma frase de Voltaire: “Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
1 Comments:
Best regards from NY! »
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