Bruno Ribeiro, maio de 2005
Ensaio sobre a chatice
Jornalistas são chatos, têm aquela velha opinião formada sobre tudo. Mas, se é pra colocar na balança, todo mundo é o chato de alguém. Engana-se o tipo confiante, que se acha o cara mais popular da empresa, do clube, da universidade. A unanimidade poderia servir só para o Chico Buarque, se ele não tivesse aqueles olhos verdes tão feios.
O mundo está ficando muito chato e eu cada vez mais pessimista (o inverso também pode ser verdade). Está bem que os chatos sempre existiram; o que seria do botequim sem eles? A história da humanidade também foi escrita pelos chatos, mas, de uns anos para cá, tenho chegado à conclusão que eles não são somente a maioria, mas já tomaram o poder.
Não querendo ser chato e já sendo, há coisas que não passam no infalível teste de chatice. Gente que fala no cinema, que atende celular no meio do filme. Onda lounge, metrossexual, "gente bonita de bem com a vida", amigo-secreto em pizzaria rodízio. Quer mais? Garçom que enche o copo de cerveja quando está pela metade. Gente que anda devagar em ruas estreitas e não percebe que está atrapalhando – o comentário não vale para deficientes físicos, é claro.
E o chato pão-duro? É aquele que, na hora de dividir a conta do bar, saca logo uma calculadora da bolsa para não "sair no prejuízo". E o cara que não consegue conversar com você sem segurar no teu braço? Deveria ser punido com prisão perpétua. Muito chato também é o fanático religioso, que acha que tem a obrigação de sair por aí salvando almas. Quer coisa mais chata que Testemunha de Jeová tocando a campainha de casa em pleno domingo de manhã?
O cúmulo da chatice é gente que tem dinheiro e se passa por pobre, pra ser aceito pelos intelectuais. A Unicamp está cheia de gente assim. E aquelas bandas que misturam rock com zabumba e cujos integrantes usam piercing no cérebro e chapéu de cangaceiro? Por isso é que ultimamente tenho achado as festinhas universitárias extremamente cacetes. Ciranda: eis um troço que me dá arrepios.
Odeio gente que usa expressões em inglês desnecessariamente. Darling é a mãe. Gente que se faz de vítima: "Minha vida é uma merda, ninguém me ama, ninguém me quer". Ou gente alto astral: "A vida é bela, pense positivo, um beijo no coração". Rodeio é uma coisa chata, mas defensor de boi é chato ao quadrado. Gente que não come carne vermelha: tem coisa mais chata? Você convida pra um churrasco e a pessoa só come rúcula. A coisa se torna mais grave se ela não bebe nem uma mísera cervejinha. Aliás, não beber nadinha, nem vinho, é algo que minha compreensão não alcança. O pior chato é o que não bebe.
Torcedor roxo é uma coisa desprezível. O cara que arruma briga se o time perde. A mulher que não repete roupa, que não vive sem shopping, que faz questão de ser fútil. Nem toda mulher chata é fútil, mas toda mulher fútil é chata. E atendente de telemarketing? E flanelinha? E o sujeito que quer parecer simpático a todo custo? Trabalhei com um repórter que, logo cedo, tinha de ir de mesa em mesa, apertando a mão dos colegas.
Outras coisas extremamente chatas: coral, fanfarra e parada militar. Aliás, militar é um tipo chato. Principalmente o milico aposentado, que vira síndico de prédio e quer controlar a vida de todo mundo. Os velhinhos que ficam falando mal do Lula no Café Regina, chatíssimos, chatíssimos. Eles estão por toda parte: na política, nas artes, na universidade, na imprensa.
Condenem-me: eu também sou um porre e o que acabei de escrever também é extremamente chato. Mas é que eu precisava desabafar: não há nada mais chato neste mundo do que ganhar um CD do Oswaldo Montenegro.
(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)
Jornalistas são chatos, têm aquela velha opinião formada sobre tudo. Mas, se é pra colocar na balança, todo mundo é o chato de alguém. Engana-se o tipo confiante, que se acha o cara mais popular da empresa, do clube, da universidade. A unanimidade poderia servir só para o Chico Buarque, se ele não tivesse aqueles olhos verdes tão feios.
O mundo está ficando muito chato e eu cada vez mais pessimista (o inverso também pode ser verdade). Está bem que os chatos sempre existiram; o que seria do botequim sem eles? A história da humanidade também foi escrita pelos chatos, mas, de uns anos para cá, tenho chegado à conclusão que eles não são somente a maioria, mas já tomaram o poder.
Não querendo ser chato e já sendo, há coisas que não passam no infalível teste de chatice. Gente que fala no cinema, que atende celular no meio do filme. Onda lounge, metrossexual, "gente bonita de bem com a vida", amigo-secreto em pizzaria rodízio. Quer mais? Garçom que enche o copo de cerveja quando está pela metade. Gente que anda devagar em ruas estreitas e não percebe que está atrapalhando – o comentário não vale para deficientes físicos, é claro.
E o chato pão-duro? É aquele que, na hora de dividir a conta do bar, saca logo uma calculadora da bolsa para não "sair no prejuízo". E o cara que não consegue conversar com você sem segurar no teu braço? Deveria ser punido com prisão perpétua. Muito chato também é o fanático religioso, que acha que tem a obrigação de sair por aí salvando almas. Quer coisa mais chata que Testemunha de Jeová tocando a campainha de casa em pleno domingo de manhã?
O cúmulo da chatice é gente que tem dinheiro e se passa por pobre, pra ser aceito pelos intelectuais. A Unicamp está cheia de gente assim. E aquelas bandas que misturam rock com zabumba e cujos integrantes usam piercing no cérebro e chapéu de cangaceiro? Por isso é que ultimamente tenho achado as festinhas universitárias extremamente cacetes. Ciranda: eis um troço que me dá arrepios.
Odeio gente que usa expressões em inglês desnecessariamente. Darling é a mãe. Gente que se faz de vítima: "Minha vida é uma merda, ninguém me ama, ninguém me quer". Ou gente alto astral: "A vida é bela, pense positivo, um beijo no coração". Rodeio é uma coisa chata, mas defensor de boi é chato ao quadrado. Gente que não come carne vermelha: tem coisa mais chata? Você convida pra um churrasco e a pessoa só come rúcula. A coisa se torna mais grave se ela não bebe nem uma mísera cervejinha. Aliás, não beber nadinha, nem vinho, é algo que minha compreensão não alcança. O pior chato é o que não bebe.
Torcedor roxo é uma coisa desprezível. O cara que arruma briga se o time perde. A mulher que não repete roupa, que não vive sem shopping, que faz questão de ser fútil. Nem toda mulher chata é fútil, mas toda mulher fútil é chata. E atendente de telemarketing? E flanelinha? E o sujeito que quer parecer simpático a todo custo? Trabalhei com um repórter que, logo cedo, tinha de ir de mesa em mesa, apertando a mão dos colegas.
Outras coisas extremamente chatas: coral, fanfarra e parada militar. Aliás, militar é um tipo chato. Principalmente o milico aposentado, que vira síndico de prédio e quer controlar a vida de todo mundo. Os velhinhos que ficam falando mal do Lula no Café Regina, chatíssimos, chatíssimos. Eles estão por toda parte: na política, nas artes, na universidade, na imprensa.
Condenem-me: eu também sou um porre e o que acabei de escrever também é extremamente chato. Mas é que eu precisava desabafar: não há nada mais chato neste mundo do que ganhar um CD do Oswaldo Montenegro.
(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)
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