Monday, March 20, 2006

Bruno Ribeiro, maio de 2005

Ensaio sobre a chatice



Jornalistas são chatos, têm aquela velha opinião formada sobre tudo. Mas, se é pra colocar na balança, todo mundo é o chato de alguém. Engana-se o tipo confiante, que se acha o cara mais popular da empresa, do clube, da universidade. A unanimidade poderia servir só para o Chico Buarque, se ele não tivesse aqueles olhos verdes tão feios.

O mundo está ficando muito chato e eu cada vez mais pessimista (o inverso também pode ser verdade). Está bem que os chatos sempre existiram; o que seria do botequim sem eles? A história da humanidade também foi escrita pelos chatos, mas, de uns anos para cá, tenho chegado à conclusão que eles não são somente a maioria, mas já tomaram o poder.

Não querendo ser chato e já sendo, há coisas que não passam no infalível teste de chatice. Gente que fala no cinema, que atende celular no meio do filme. Onda lounge, metrossexual, "gente bonita de bem com a vida", amigo-secreto em pizzaria rodízio. Quer mais? Garçom que enche o copo de cerveja quando está pela metade. Gente que anda devagar em ruas estreitas e não percebe que está atrapalhando – o comentário não vale para deficientes físicos, é claro.

E o chato pão-duro? É aquele que, na hora de dividir a conta do bar, saca logo uma calculadora da bolsa para não "sair no prejuízo". E o cara que não consegue conversar com você sem segurar no teu braço? Deveria ser punido com prisão perpétua. Muito chato também é o fanático religioso, que acha que tem a obrigação de sair por aí salvando almas. Quer coisa mais chata que Testemunha de Jeová tocando a campainha de casa em pleno domingo de manhã?

O cúmulo da chatice é gente que tem dinheiro e se passa por pobre, pra ser aceito pelos intelectuais. A Unicamp está cheia de gente assim. E aquelas bandas que misturam rock com zabumba e cujos integrantes usam piercing no cérebro e chapéu de cangaceiro? Por isso é que ultimamente tenho achado as festinhas universitárias extremamente cacetes. Ciranda: eis um troço que me dá arrepios.

Odeio gente que usa expressões em inglês desnecessariamente. Darling é a mãe. Gente que se faz de vítima: "Minha vida é uma merda, ninguém me ama, ninguém me quer". Ou gente alto astral: "A vida é bela, pense positivo, um beijo no coração". Rodeio é uma coisa chata, mas defensor de boi é chato ao quadrado. Gente que não come carne vermelha: tem coisa mais chata? Você convida pra um churrasco e a pessoa só come rúcula. A coisa se torna mais grave se ela não bebe nem uma mísera cervejinha. Aliás, não beber nadinha, nem vinho, é algo que minha compreensão não alcança. O pior chato é o que não bebe.

Torcedor roxo é uma coisa desprezível. O cara que arruma briga se o time perde. A mulher que não repete roupa, que não vive sem shopping, que faz questão de ser fútil. Nem toda mulher chata é fútil, mas toda mulher fútil é chata. E atendente de telemarketing? E flanelinha? E o sujeito que quer parecer simpático a todo custo? Trabalhei com um repórter que, logo cedo, tinha de ir de mesa em mesa, apertando a mão dos colegas.

Outras coisas extremamente chatas: coral, fanfarra e parada militar. Aliás, militar é um tipo chato. Principalmente o milico aposentado, que vira síndico de prédio e quer controlar a vida de todo mundo. Os velhinhos que ficam falando mal do Lula no Café Regina, chatíssimos, chatíssimos. Eles estão por toda parte: na política, nas artes, na universidade, na imprensa.

Condenem-me: eu também sou um porre e o que acabei de escrever também é extremamente chato. Mas é que eu precisava desabafar: não há nada mais chato neste mundo do que ganhar um CD do Oswaldo Montenegro.

(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)

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