Bruno Ribeiro, dezembro de 2005
Aos meus doze novos amigos
Neste ano li 12 livros. Bem menos do que eu gostaria, mas tive um ano agitado. Leio no ônibus, na fila do banco, no banheiro, antes de dormir. Não por obrigação, mas por gosto. É um hábito herdado do avô paterno, um homem muito letrado – o único da família – que me dava livros de presente de Natal. No final do ano eu só ganhava livros: Monteiro Lobato, Júlio Verne, contos russos e africanos, lendas brasileiras, crônicas de Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Ter lido tudo isso muito cedo fez com que aos 11 ou 12 anos eu já pudesse apreciar Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Nelson Rodrigues. Para mim era natural, não uma imposição da família ou uma necessidade de afirmação – até porque ninguém mais gostava de ler em minha casa.
À parte isso, fui criado na rua, jogando bola e arriscando a vida naqueles perigosíssimos rolimãs, que cruzavam a avenida tirando fina das rodas dos ônibus e, invariavelmente, acabavam destroçados nos muros da fábrica de cimento que havia no fim da rua. Associar o nerd idiota aos livros foi a pior contribuição que o cinema de Hollywood poderia ter dado para a nossa juventude. Eu nunca fui CDF, era péssimo em matemática, mas lia, lia e lia com um prazer sempre renovado. E cada livro terminado me fazia mais próximo do que eu acreditava ser a vida. Eu só fazia o que queria, só o que gostava – e me sentia, como me sinto hoje, extremamente satisfeito por ter criado tão cedo um jeito próprio de fazer frente à falta de sentido da existência.
Neste ano li apenas 12 livros. Mas foram 12 amigos a fazer companhia durante aquelas pausas do dia em que não temos como fugir de nós mesmos e estamos sozinhos no abismo. Foram 12 apóstolos a cear comigo, nos instantes em que mais precisei de uma palavra para amenizar o dia ou de uma boca para dividir o vinho da noite. Antes que o ano termine, quero registrar aqui a minha gratidão aos que me fizeram um homem melhor em 2005: “Pergunte ao Pó”, de John Fante, e a luta desesperada de Arturo Bandini contra a falta de inspiração; “A Misteriosa Chama da Rainha Loana”, de Umberto Eco, e a reconstrução da memória a partir dos signos da infância; “O Cantor de Tango”, de Tomás Eloy Martinez, e a viagem pelas artérias de Buenos Aires; “Os Meninos da Rua Paulo”, de Ferenc Molnar, e a batalha épica das crianças contra a especulação imobiliária; “Futebol ao Sol e à Sombra”, de Eduardo Galeano, e a poesia escondida dos gramados; O Púcaro Búlgaro, de Campos de Carvalho, e a crítica surrealista ao desconcerto do mundo; “Malagueta, Peru e Bacanaço”, de João Antônio, e a ronda noturna pela alma de São Paulo; “A Náusea”, de Jean-Paul Sartre, e o mergulho no vazio das horas; “Minhas Histórias dos Outros”, de Zuenir Ventura, e a lição de um jornalismo responsável; “Trópico de Capricórnio”, de Henry Miller, e o cheiro ocre da marginalidade; “Partido-alto: Samba de Bambas”, de Nei Lopes, e a história das raízes mais profundas do Brasil; “Venezuela”, de Pablo Uchoa, e o sonho de Bolívar redivivo por Hugo Chavez.
Foram estes os amigos que andaram comigo na maior parte do ano, que me deram conselhos valiosos e inúteis – mas sempre bem-vindos – e que mostraram, de certa forma, que a morte é uma besteira quando temos um livro à mão. Eternizadas no papel, as palavras abrem estradas invisíveis que atravessam o tempo e as gerações. Obrigado, amigos, por abrirem veredas novas em mim e me conduzirem para lugares cada vez mais altos. Sinceramente agradecido, desejo a todos um ótimo Ano Novo.
(Publicado originalmente na edição 36, de dezembro de 2005, da revista Semana 3)
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