Alexandre Soares Silva, mar/abr de 2005
Os impolidos
Depois de me meter numa troca breve, boba e inconseqüente de semi-insultos na internet, várias pessoas me enviaram e-mails um tanto histéricos dizendo que “responder é pior” e me pedindo para “deixar pra lá”. Foi mais ou menos como se eu tivesse tido uma discussão morna, não particularmente violenta com alguém, e de repente meus amigos me sacudissem pela camisa com violência, gritando “Pelo amor de Deus, não faz papel de bobo!... Você não está vendo que responder é pior?”, cuspindo na minha cara de tanta emoção.
Em todas as brigas-de-internet em que me meti, os espectadores pareciam mais perturbados que os envolvidos diretamente. As pessoas se sentem mal com brigas. Gostam de acompanhá-las, mas sofrem. E não vêem nenhum valor nelas. Acham uma apelação, uma descida do espírito humano ao nível de babuínos.
Mas não é. Babuínos não discutem. Da minha parte vejo muito valor em discussões na internet ou nos jornais. Em primeiro lugar, são divertidas de ler – por mais que as pessoas hipocritamente neguem isso. É uma das coisas mais divertidas de ler no mundo: briga, por escrito, de gente que se odeia.
E em segundo, é divertido de participar. Algumas pessoas se sentem perturbadas demais quando discutem – evidentemente não nasceram para isso. Mas outras sentem que uma discussão ajuda na concentração dos pensamentos, e torna suas próprias idéias mais claras. No meio de certas polêmicas lhes ocorrem idéias que nunca teriam tido de outra forma. É um grande esporte, e uma das melhores ocupações para o espírito humano – desde que certos níveis de decência e polidez sejam mantidos, o que é claro que é um tanto raro. E é raro, ainda por cima, porque algumas pessoas declaradamente odeiam a polidez.
Sempre achei engraçado ver o número de pessoas que se irritam comigo não porque eu seja arrogante, pedante e reacionário – claro que isso tudo ajuda, old thing – mas simplesmente pela minha evidente, e bastante artificial, polidez. Os inimigos da polidez são muitos, mas têm em comum uma certa adolescência do espírito: preferem ser francos e espontâneos e brutais. Acabaram de descobrir que existe algo de artificial na polidez, e que as pessoas que lhes perguntam como vão – oh! – não estão realmente interessadas em saber como eles vão. Nunca se recuperaram desse choque. Podem ter quarenta ou cinqüenta anos, mas ainda não se recuperaram completamente do choque dessa descoberta que fizeram na adolescência.
Mas tudo o que temos para proteger a civilização são tanques e boas maneiras. Na verdade essa é a minha definição de civilização, boas maneiras; da qual se segue a definição de barbárie, que é uma contínua grosseria. Somos atacados pelas grosserias de vizinhos, de blogueiros, de passantes na rua; no cinema somos chutados pela grosseria de pessoas que sentam atrás das nossas cadeiras, e em galerias comerciais de Jerusalém pessoas são explodidas pela grande grosseria de terroristas. Esses são todos os inimigos da civilização – as pessoas que odeiam a polidez. Eles têm orgulho, você sabe, de suas grosserias; têm orgulho de serem muito francos e impolidos; justificam a impolidez pela espontaneidade, ou até mesmo por algum bem qualquer (político, na maior parte das vezes) que acreditam maior do que a mera polidez.
Mas eu queria propor, muito calmamente, que nada humano é pior do que a impolidez. Bem entendida, a impolidez é a única forma que o Mal assume no mundo. Se, por exemplo, consideramos impolida uma pessoa que visita outra sem aviso, estragando os planos do visitado para toda a noite, por que não consideramos impolida uma pessoa que atira na testa da outra, se ao fazer isso ela estraga os planos da outra para muitas e muitas noites? A maldade, antes de ser maldade, é uma grande impolidez.
Tanques e boas maneiras. Claro, tanques são uma forma de grosseria sólida, de grosseria móvel – mas algumas grosserias são justificadas para acabar com outras grosserias piores. Em situações normais, por exemplo, arrombar a porta de uma casa é uma grosseria; mas todos concordam que a polícia está justificada em arrombar certas portas para acabar com esse tipo específico de grosseria que chamamos de crime. Da mesma forma, a guerra é uma forma de grosseria em massa – as pessoas põem uniformes para serem grosseiras contra um país inteiro – mas às vezes é necessária para acabar com outras formas piores e mais intensas de grosseria. Alguns países islâmicos, por exemplo, são grandes defensores da grosseria. Contra dissidentes, contra judeus, contra americanos, contra infiéis, contra mulheres. Para mim é claro que eles têm que ser parados com alguns atos de grosseria limitada, minimizada e justificada. Eis o motivo de admirar George Bush. Ele teve a coragem de defender uma civilização tão precária quanto a ocidental, ao mesmo tempo
contrariando milhões de manifestantes pelados no mundo todo – e deixando a srta. Susan Sarandon profundamente desgostosa, ainda por cima. Isso também tem que valer alguma coisa.
Por defender esse tipo de coisa – e coisas piores, e coisas piores – acho muito compreensível que muita gente me odeie, e sintomático que sejam pouco educadas. De que vale a educação, eles sempre perguntam, para defender o bombardeamento de criancinhas iraquianas? Não é melhor ser grosseiro e truculento, e estar, como eles acham que estão, do Lado do Bem? Do Lado de Madonna e das Dixie Chicks?
Pelo que vale, eis a minha resposta: não. Posso estar errado no que diz respeito ao Iraque, mas não no que diz respeito à impolidez. A impolidez e a maldade são uma coisa só. E tudo o que podemos querer nesta vida é sermos polidos de uma maneira tão perfeita, mas tão perfeita, que cheguemos até mesmo a sermos bons.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
Depois de me meter numa troca breve, boba e inconseqüente de semi-insultos na internet, várias pessoas me enviaram e-mails um tanto histéricos dizendo que “responder é pior” e me pedindo para “deixar pra lá”. Foi mais ou menos como se eu tivesse tido uma discussão morna, não particularmente violenta com alguém, e de repente meus amigos me sacudissem pela camisa com violência, gritando “Pelo amor de Deus, não faz papel de bobo!... Você não está vendo que responder é pior?”, cuspindo na minha cara de tanta emoção.
Em todas as brigas-de-internet em que me meti, os espectadores pareciam mais perturbados que os envolvidos diretamente. As pessoas se sentem mal com brigas. Gostam de acompanhá-las, mas sofrem. E não vêem nenhum valor nelas. Acham uma apelação, uma descida do espírito humano ao nível de babuínos.
Mas não é. Babuínos não discutem. Da minha parte vejo muito valor em discussões na internet ou nos jornais. Em primeiro lugar, são divertidas de ler – por mais que as pessoas hipocritamente neguem isso. É uma das coisas mais divertidas de ler no mundo: briga, por escrito, de gente que se odeia.
E em segundo, é divertido de participar. Algumas pessoas se sentem perturbadas demais quando discutem – evidentemente não nasceram para isso. Mas outras sentem que uma discussão ajuda na concentração dos pensamentos, e torna suas próprias idéias mais claras. No meio de certas polêmicas lhes ocorrem idéias que nunca teriam tido de outra forma. É um grande esporte, e uma das melhores ocupações para o espírito humano – desde que certos níveis de decência e polidez sejam mantidos, o que é claro que é um tanto raro. E é raro, ainda por cima, porque algumas pessoas declaradamente odeiam a polidez.
Sempre achei engraçado ver o número de pessoas que se irritam comigo não porque eu seja arrogante, pedante e reacionário – claro que isso tudo ajuda, old thing – mas simplesmente pela minha evidente, e bastante artificial, polidez. Os inimigos da polidez são muitos, mas têm em comum uma certa adolescência do espírito: preferem ser francos e espontâneos e brutais. Acabaram de descobrir que existe algo de artificial na polidez, e que as pessoas que lhes perguntam como vão – oh! – não estão realmente interessadas em saber como eles vão. Nunca se recuperaram desse choque. Podem ter quarenta ou cinqüenta anos, mas ainda não se recuperaram completamente do choque dessa descoberta que fizeram na adolescência.
Mas tudo o que temos para proteger a civilização são tanques e boas maneiras. Na verdade essa é a minha definição de civilização, boas maneiras; da qual se segue a definição de barbárie, que é uma contínua grosseria. Somos atacados pelas grosserias de vizinhos, de blogueiros, de passantes na rua; no cinema somos chutados pela grosseria de pessoas que sentam atrás das nossas cadeiras, e em galerias comerciais de Jerusalém pessoas são explodidas pela grande grosseria de terroristas. Esses são todos os inimigos da civilização – as pessoas que odeiam a polidez. Eles têm orgulho, você sabe, de suas grosserias; têm orgulho de serem muito francos e impolidos; justificam a impolidez pela espontaneidade, ou até mesmo por algum bem qualquer (político, na maior parte das vezes) que acreditam maior do que a mera polidez.
Mas eu queria propor, muito calmamente, que nada humano é pior do que a impolidez. Bem entendida, a impolidez é a única forma que o Mal assume no mundo. Se, por exemplo, consideramos impolida uma pessoa que visita outra sem aviso, estragando os planos do visitado para toda a noite, por que não consideramos impolida uma pessoa que atira na testa da outra, se ao fazer isso ela estraga os planos da outra para muitas e muitas noites? A maldade, antes de ser maldade, é uma grande impolidez.
Tanques e boas maneiras. Claro, tanques são uma forma de grosseria sólida, de grosseria móvel – mas algumas grosserias são justificadas para acabar com outras grosserias piores. Em situações normais, por exemplo, arrombar a porta de uma casa é uma grosseria; mas todos concordam que a polícia está justificada em arrombar certas portas para acabar com esse tipo específico de grosseria que chamamos de crime. Da mesma forma, a guerra é uma forma de grosseria em massa – as pessoas põem uniformes para serem grosseiras contra um país inteiro – mas às vezes é necessária para acabar com outras formas piores e mais intensas de grosseria. Alguns países islâmicos, por exemplo, são grandes defensores da grosseria. Contra dissidentes, contra judeus, contra americanos, contra infiéis, contra mulheres. Para mim é claro que eles têm que ser parados com alguns atos de grosseria limitada, minimizada e justificada. Eis o motivo de admirar George Bush. Ele teve a coragem de defender uma civilização tão precária quanto a ocidental, ao mesmo tempo
contrariando milhões de manifestantes pelados no mundo todo – e deixando a srta. Susan Sarandon profundamente desgostosa, ainda por cima. Isso também tem que valer alguma coisa.
Por defender esse tipo de coisa – e coisas piores, e coisas piores – acho muito compreensível que muita gente me odeie, e sintomático que sejam pouco educadas. De que vale a educação, eles sempre perguntam, para defender o bombardeamento de criancinhas iraquianas? Não é melhor ser grosseiro e truculento, e estar, como eles acham que estão, do Lado do Bem? Do Lado de Madonna e das Dixie Chicks?
Pelo que vale, eis a minha resposta: não. Posso estar errado no que diz respeito ao Iraque, mas não no que diz respeito à impolidez. A impolidez e a maldade são uma coisa só. E tudo o que podemos querer nesta vida é sermos polidos de uma maneira tão perfeita, mas tão perfeita, que cheguemos até mesmo a sermos bons.
(Publicado originalmente na edição 29, de mar/abr de 2005, da revista Semana 3)
1 Comments:
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