Monday, March 20, 2006

Alexandre Soares Silva, junho de 2004

Olha, um escritor canhota na sua vida...



Há revistas que não sejam para idiotas? Todas as revistas que vejo na sala de espera do veterinário (é só lá que leio revistas) são para algum tipo específico de idiota.

Há a revista para executivos idiotas ("Você S.A.") e a revista para quem quer ser executivo idiota ("VIP"). A revista para o pai de família idiota ("Veja", "Isto É") e a revista para a dona de casa idiota ("Cláudia"). A revista para a filha idiota ("Todateen"), a revista para o filho idiota ("Superinteressante"), a revista para intelectuais idiotas ("Bravo"), e a revista para esquerdistas idiotas ("Caros Amigos"). E, claro, a revista para donas de casa consideradas idiotas até mesmo pelas outras donas de casa idiotas ("Chiques e Famosos").

Há também uma revista para cachorros idiotas, "Focinhos". Minha cachorra nem fixa os olhos nessa revista, embora eu jure que ela olha algumas das melhores fotos de cachorros-na-neve da "National Geographic". (Ela, como todo mundo, também gosta de fotos de esquimós enrugadinhos.)

Às vezes imagino um especialista em marketing todo feliz porque descobriu um segmento de idiotas ainda não explorado pelas revistas. E lá vão eles criar uma revista para gays idiotas ou albinos idiotas ou sanfoneiros idiotas ou técnicos de vôlei idiotas. Deus!

Fiquei muito feliz depois que parei de ler revistas; hoje só leio livros e mãos. E, ocasionalmente, para rir, as legendas da tevê a cabo.

***

Desde os mais nerds anos da minha vida tento aprender a ler mãos para poder segurar as mãozinhas de mulheres indefesas. Segurei muitas, folheando ao acaso uma biblioteca inteira de mãos femininas, lendo uma linha aqui e acolá - dizendo baixo e devagar as linhas do coração e dos filhos, como um jogador de futebol tentando ler um livro de auto-ajuda.

Se funciona, não sei. Eu mesmo tenho as mãos quadradas de gente prática e ativa, e pfui, sou tão prático quanto sou neguinho. Mas gosto de ir percorrendo a palma da mão da mulher Eleita e Linda com a ponta do indicador, como se estivesse procurando uma passagem especial, deixa eu achar, era tão bonito. Aqui (aí eu minto): "Um blogueiro canhoto entrará na sua vida. Está vendo, é esta linha aqui. Cabelos grisalhos. Modos agradavelmente antipáticos e gentis..."

Uma vez na faculdade li a mão de uma mulher linda que tinha o que os livros caracterizam como "dedos de psicopata". Porque na quiromancia você lê também a forma dos dedos e das mãos, a flexibilidade das articulações, a cor da pele. Sangue seco na borda das unhas também deve ser mau sinal, mas divago.

Os dedos ditos de psicopata terminam achatados, com unhas curtas; os dedos têm um formato um pouco de pinto, com uma cabecinha, sabe? Talvez você ache que não existem dedos assim, mas oh, existem. Essa mulher linda tinha dedos de pinto, dedos de psicopata.

Mas eu não liguei. Ela era quieta, e de repente ria muito alto jogando a cabeça pra trás em momentos que não eram engraçados. Mas nunca a vi sendo psicopata, propriamente falando. Olhei bem nos olhos dela enquanto dizia que tal linha significava "um escritor canhoto na sua vida" etc. etc., e ela me olhando séria, seus longos dedos de pinto descansando na minha mão.

Claro que às vezes um homem dizia, "Ah, você lê? Lê a minha também.", estendendo contente a mão peluda de torcedor do Olaria. Profundo desgosto na tenda quiromântica do Dr. Soaressilva. Ele não entendeu o espírito da coisa.

A coisa toda foi feita pra pegar na mão de menininhas. Não que não seja, hã, válido; deve ter algum sentido. O destino de alguém é guiado pela personalidade - não só, eu sei, mas em grande parte. E a personalidade vai marcando tudo numa pessoa - o rosto, a retidão da coluna, as linhas da mão e a beleza da prosa. Alguém poderia prever o destino de uma pessoa ao ler um soneto escrito por ela, deduzindo coisas a partir do uso de cesuras e cacófatos. O uso das figuras de linguagem indicando quantos filhos a pessoa vai ter. Muita metáfora, vixe, vai morrer virgem.

Uso de rimas ricas e rimas pobres indicando a prevalência da razão sobre a emoção, ou o contrário, sei lá. "Esta inversão sintática aqui indica a chegada de um blogueiro canhoto na sua vida." Mas, ah, de que vale tudo isso sem segurar na mãozinha?

E a última das mãos que veio parar, aninhada, nas minhas - eu realmente fico me procurando lá. E acho que me vejo - deitado na curvatura ascendente da linha do coração, como se fosse numa rede, a cabeça apoiada na almofadinha formada pelos montes de Mercúrio e Apolo - aquelas polpinhas debaixo do mindinho e anular, que no caso da mão dela, dessa mão em particular, formam uma polpinha só, como um bom travesseiro.

"E olha, um escritor canhoto na sua vida..."

(Publicado originalmente na edição 24, de junho de 2004, do jornal Semana 3)

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