Monday, March 20, 2006

Alexandre Soares Silva, maio de 2005

“Dialogando” com o papa



Revistas dizendo na capa algo do tipo, “Bento XVI fala dez línguas – mas saberá dialogar?”. Jesus. Mais idiota do que isso, só se usassem três pontos de interrogação.

(Por falar nisso, que palavra grotesca, “dialogar”. Como “irreverente” e “prestigiar”, é uma palavra usada quase exclusivamente por idiotas. Também não sou muito fã da palavra “acrescentar”, usada em frases como “tal livro não acrescenta nada”, “essa discussão não acrescenta nada”. Noto que são frases ditas geralmente por pessoas burrinhas. Sua experiência não lhe diz a mesma coisa? Mas ah, divago. Vamos voltar a falar sobre o Papa.)

(Não, vou fazer outra digressão. Eu gosto de digressões, tenha paciência. Meu texto ideal seria uma única digressão, sem assunto principal nenhum. Ele viria todo inteiro dentro de parêntesis – um no início do texto e outro no final, e só. Tenho a impressão que Flann O´Brien já fez isso. Mas o que eu ia dizer é o seguinte: você também não está cansado de pessoas que dizem que estão cansadas de ouvir falar sobre o Papa? Eu estou. Mas ah, voltemos a falar sobre o Papa.)

Eu disse no plural, “revistas”, porque embora essa seja a descrição literal de uma capa da “Veja”, é igual em espírito a muitas outras capas de revistas – estou chutando, não tenho passado por bancas, mas tenho certeza do meu chute - e a centenas de colunas de jornais no mundo todo. Jornalistas barrigudinhos escrevendo colunas nas quais basicamente expressam, com grande sensibilidade humanista e carioquinha, seu desejo de que o Vaticano fique um pouquinho mais parecido em espírito com uma redação de jornal ou um boteco. Não tenho dúvida que querem que a sabedoria dos Santos Padres, tão rígida, tão antipática, seja substituída pela sabedoria moderninha de Arnaldo Jabor e do Dr. Dráuzio Varella; e que a camisinha, claro, só seja evitada por preguiça e medo da perda da ereção, e nunca por essa proibição estranha e misteriosa ao adultério.

Poderá o Papa “dialogar”? Espero que não. Cada vez que ouço alguém dizer que é preciso que o Papa “dialogue”, eu imagino o Papa num desses programas de auditório com adolescentes na platéia, como o de Serginho Groisman. Bento XVI sentado no centro do palco, uma pré-adolescente carioca excessivamente maquiada levantando e dizendo:
– Papa, é o seguinte: eu queria saber porquê você é contra a camisinha, sendo que a camisinha ajuda no combate à Aids. – Todos os adolescentes na platéia gritam aeeeeeeee, e batem palmas; ela fica empolgada e diz: – E também porque você não quer que os gays casem e abortem e essas coisas todas. Se eu usasse camisinha não tinha abortado na semana passada, fala sério.
– Aeeeeeeeeee...

Noto que quase todas as pessoas de bom senso são contra o Papa Bento XVI. Aquilo que se chama de bom senso é, basicamente, o conjunto de crenças bacaninhas e iluminadas que são defendidas por atores musculosos da Globo que fazem jiujitsu e têm tatuagens de caracteres chineses nos braços. Estude o que pensam essas pessoas, aquilo que elas dizem em programas de auditório que faz com que a platéia diga aeeeeeeeee..., e saberá o que pensa o resto do mundo, incluindo intelectuais – que pensam exatamente como atores da Globo, com a única diferença que se expressam um pouquinho melhor e citam uns aos outros como confirmação do que eles próprios pensam. Intelectuais citam intelectuais; atores da Globo citam as avós – “minha avó já dizia” etc. etc. – e essa é a única diferença entre eles, digo-vos mui solenemente. (Intelectuais são também um pouquinho mais niilistas, mas a diferença acaba aí.)

O bom senso é, quase sempre, contra o reacionarismo do Papa Bento XVI. O bom senso é a favor do uso da camisinha, a favor do casamento dos gays, contra a infalibilidade papal e a favor do “diálogo com outras religiões”. O bom senso é relativista – acha que todas as religiões são boas porque “passam algo de bom” e que, “sei lá, cada um tem a sua verdade, você tem a sua verdade e eu tenho a minha verdade”. O bom senso quer “dialogar”. Ah, não dialogue, Papa. Por favor, Papa. Por favor.

Com muita vergonha, percebo que (com exceção da legalização do aborto, à qual me oponho fanática e medievalmente) sigo o bom senso, na maior parte dos pontos, contra o Papa Bento XVI. Também eu não vejo nada de errado no casamento dos gays (“ah, deixa eles” costuma ser a minha reação, como é a reação do elenco da novela “América”, tenho certeza), nem vejo nada contra a camisinha, além do fato de que camisinha é uma chateação. Mas, ah, ao contrário das outras pessoas de bom senso, eu me envergonho do meu bom senso. Por nada desse mundo queria ter a mesma opinião que Hebe Camargo sobre o casamento gay. Acredite: se você consegue se imaginar dizendo sua opinião sobre alguma coisa num programa de auditório, e ouvindo a reação de aprovação da platéia de retardados – aeeeeeee... – é porque sua opinião está errada, e cheia de horrível e grotesco bom senso. Eu queria estar cheio de mau senso – do mau senso dos santos, dos gênios, de Deus. Mas realmente acredito que ainda tenho boas chances.

Que triste estado de coisas, aliás, em que as pessoas olham para o Papa e pensam logo em camisinha e casamento gay. Dois mil anos de teologia, ó pessoas. Parem um pouquinho de pensar em camisinha e casamento gay. Os mistérios da Santíssima Trindade? A hierarquia dos anjos? A história dos mártires, dos santos, dos mosteiros e conventos? São Bartolomeu expulsando os deuses da Índia? São Teodoro sendo rasgado por unhas de ferro? E só o que vocês conseguem pensar, quando olham para um Papa, é camisinha e casamento gay?

(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)

2 Comments:

Blogger danny said...

Quando vi um trecho de seu texto vim preparada para pegar informações que realment fizessem eu desacreditar em algo que o Papa diz e tal, mas fiquei muito surpresa com o final. Apesar de não ser a favor do uso da camisinha, legalização do aborto ou casamento entre homossexuais concordo quando você diz que as pessoas somente pensam nisso e que a igreja também esta se esquecendo de falar de seus valores e somente responder a uma sociedade que não quer entender o porque das coisas.

3:21 PM  
Blogger danny said...

Quando vi um trecho de seu texto vim preparada para pegar informações que realment fizessem eu desacreditar em algo que o Papa diz e tal, mas fiquei muito surpresa com o final. Apesar de não ser a favor do uso da camisinha, legalização do aborto ou casamento entre homossexuais concordo quando você diz que as pessoas somente pensam nisso e que a igreja também esta se esquecendo de falar de seus valores e somente responder a uma sociedade que não quer entender o porque das coisas.

3:21 PM  

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