Marcelo Träsel, maio de 2005
A nova religião
Já fui vegetariano. Por quatro longos anos, em grau maior ou menor, evitei carne, açúcar e cereais refinados. Houve épocas em que não comia feijão se houvesse algum toucinho boiando nele. Em outras, aceitava um pedaço de peixe — frango, não, evidentemente, pois como todo bom natureba sabe, eles são cheios de hormônios. Alguns hábitos mantenho até hoje: prefiro sempre o arroz integral, procuro não me entupir de carne todos os dias e nunca mais tomei um refrigerante.
Minha saúde não melhorou em nada entre os 16 e os 20 anos, de modo que aos poucos fui deixando para trás os dogmas naturalistas. O principal motivo, entretanto, foi uma vontade incontrolável de voltar a ter prazer à mesa. Posso sentir as sobrancelhas dos vegetarianos se erguerem enquanto lêem a frase anterior, preparando veementes protestos. Dirão que basta aprender a cozinhar de outra forma, que é possível adaptar quase todos os pratos, que pode-se descobrir novos prazeres etc. etc. etc.
É tudo verdade. Arroz integral tem um sabor muito melhor do que o branco — aliás, tem sabor, ponto. Não troco um bom suflê de espinafre por picanha alguma. Os pratos com carne são, afinal, uma minoria no universo culinário. Não obstante, fazem falta. Especialmente quando se é um projeto de gourmet que, se peca por falta de conhecimento, tem curiosidade de sobra por novos sabores. Não poder provar uma receita desconhecida, só porque tinha carne, causava sofrimento demais.
Vamos ser francos: naturebas não gostam de comida. Está certo que boa parte de nossos gostos têm base em fatores culturais, então teoricamente podem ser modificados com algum esforço pessoal. Mas modificar o gosto para restringi-lo é uma atitude cristã em relação à comida, na pior acepção do adjetivo. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, além de preencher o atestado de óbito de Deus, provou que o cristianismo está fundado em um ideal ascético ressentido e anal-retentivo. O vegetarianismo — e, sejamos justos, qualquer auto-restrição alimentar, como dietas, fobias e frescuras em geral — não passa de uma aplicação deste ascetismo a um dos maiores prazeres que um homem pode ter. Não à toa, a gula é um dos sete pecados capitais.
Desfazer-se de todos os prazeres gourmandes em prol de uma saúde melhor e alguns anos a mais de vida na velhice exige uma boa dose de fé. Nenhum estudo até hoje comprova que vegetarianos vivem mais e melhor. A experiência empírica tampouco o faz. Meu bisavô comia uma lingüiça inteira com meia garrafa de cachaça antes do almoço e morreu dentro da média nacional de idade para a época. A diferença é que naqueles anos, as pessoas, se abusavam à mesa, faziam muito mais exercício nas tarefas do cotidiano. Os estudos médicos condenam a carne vermelha e as gorduras saturadas, mas esquecem de contextualizar as recomendações e terminam por provocar uma histeria alimentar inútil.
Carne vermelha e gorduras são ruins para gente sedentária que se entope de ovos, bacon e hambúrgueres todos os dias. A não ser em caso de certas doenças, não fazem mal algum se ingeridos com parcimônia e junto a uma variedade de frutas e vegetais. Ninguém precisa, afinal, comer costelinha de porco assada todos os dias. O importante é variar.
Suponhamos, entretanto, que realmente uma alimentação natural e vegetariana garanta alguns anos a mais de vida. Para quê? Para que diabos alguém quer viver cinco anos a mais torturando-se à mesa três vezes por dia? Qual a graça nisso? Só mesmo uma firme crença na redenção pelo ascetismo pode explicar algo do gênero.
Se é para ter uma atitude religiosa em relação à comida, tenhamos então uma atitude budista: trilhemos o caminho do meio, nem condescendendo com o epicurismo mais inconsciente, muito menos punindo-nos com a adesão a um ideal ascético. Aceitemos de coração aberto toda a experiência que o mundo nos oferece.
***
Errata: na receita de tira-gosto de berinjelas publicada na edição anterior, o colunista, pouco afeito a vinagre, teve um lapso deveras suspeito e esqueceu-se de acrescentar uma colher de sopa de aceto balsâmico ao antepasto, no mesmo momento em que os temperos são jogados na panela. Lamentamos qualquer inconveniência causada pela falha.
(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)
Já fui vegetariano. Por quatro longos anos, em grau maior ou menor, evitei carne, açúcar e cereais refinados. Houve épocas em que não comia feijão se houvesse algum toucinho boiando nele. Em outras, aceitava um pedaço de peixe — frango, não, evidentemente, pois como todo bom natureba sabe, eles são cheios de hormônios. Alguns hábitos mantenho até hoje: prefiro sempre o arroz integral, procuro não me entupir de carne todos os dias e nunca mais tomei um refrigerante.
Minha saúde não melhorou em nada entre os 16 e os 20 anos, de modo que aos poucos fui deixando para trás os dogmas naturalistas. O principal motivo, entretanto, foi uma vontade incontrolável de voltar a ter prazer à mesa. Posso sentir as sobrancelhas dos vegetarianos se erguerem enquanto lêem a frase anterior, preparando veementes protestos. Dirão que basta aprender a cozinhar de outra forma, que é possível adaptar quase todos os pratos, que pode-se descobrir novos prazeres etc. etc. etc.
É tudo verdade. Arroz integral tem um sabor muito melhor do que o branco — aliás, tem sabor, ponto. Não troco um bom suflê de espinafre por picanha alguma. Os pratos com carne são, afinal, uma minoria no universo culinário. Não obstante, fazem falta. Especialmente quando se é um projeto de gourmet que, se peca por falta de conhecimento, tem curiosidade de sobra por novos sabores. Não poder provar uma receita desconhecida, só porque tinha carne, causava sofrimento demais.
Vamos ser francos: naturebas não gostam de comida. Está certo que boa parte de nossos gostos têm base em fatores culturais, então teoricamente podem ser modificados com algum esforço pessoal. Mas modificar o gosto para restringi-lo é uma atitude cristã em relação à comida, na pior acepção do adjetivo. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, além de preencher o atestado de óbito de Deus, provou que o cristianismo está fundado em um ideal ascético ressentido e anal-retentivo. O vegetarianismo — e, sejamos justos, qualquer auto-restrição alimentar, como dietas, fobias e frescuras em geral — não passa de uma aplicação deste ascetismo a um dos maiores prazeres que um homem pode ter. Não à toa, a gula é um dos sete pecados capitais.
Desfazer-se de todos os prazeres gourmandes em prol de uma saúde melhor e alguns anos a mais de vida na velhice exige uma boa dose de fé. Nenhum estudo até hoje comprova que vegetarianos vivem mais e melhor. A experiência empírica tampouco o faz. Meu bisavô comia uma lingüiça inteira com meia garrafa de cachaça antes do almoço e morreu dentro da média nacional de idade para a época. A diferença é que naqueles anos, as pessoas, se abusavam à mesa, faziam muito mais exercício nas tarefas do cotidiano. Os estudos médicos condenam a carne vermelha e as gorduras saturadas, mas esquecem de contextualizar as recomendações e terminam por provocar uma histeria alimentar inútil.
Carne vermelha e gorduras são ruins para gente sedentária que se entope de ovos, bacon e hambúrgueres todos os dias. A não ser em caso de certas doenças, não fazem mal algum se ingeridos com parcimônia e junto a uma variedade de frutas e vegetais. Ninguém precisa, afinal, comer costelinha de porco assada todos os dias. O importante é variar.
Suponhamos, entretanto, que realmente uma alimentação natural e vegetariana garanta alguns anos a mais de vida. Para quê? Para que diabos alguém quer viver cinco anos a mais torturando-se à mesa três vezes por dia? Qual a graça nisso? Só mesmo uma firme crença na redenção pelo ascetismo pode explicar algo do gênero.
Se é para ter uma atitude religiosa em relação à comida, tenhamos então uma atitude budista: trilhemos o caminho do meio, nem condescendendo com o epicurismo mais inconsciente, muito menos punindo-nos com a adesão a um ideal ascético. Aceitemos de coração aberto toda a experiência que o mundo nos oferece.
***
Errata: na receita de tira-gosto de berinjelas publicada na edição anterior, o colunista, pouco afeito a vinagre, teve um lapso deveras suspeito e esqueceu-se de acrescentar uma colher de sopa de aceto balsâmico ao antepasto, no mesmo momento em que os temperos são jogados na panela. Lamentamos qualquer inconveniência causada pela falha.
(Publicado originalmente na edição 30, de maio de 2005, da revista Semana 3)
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