Alexandre Soares Silva, dezembro de 2005
Heather Graham não fica em casa
Nunca entendo o motivo das pessoas saírem de casa. Suponho que tenham casas ruins. Aquela multidão de pessoas na avenida, paradas vendo teatro de rua ou coisa que o valha, todas com casas ruins. Aquelas pessoas paradas no shopping vendo a tevê que fica na vitrine, o que diabos é aquilo? Amundsen e Scott e sei lá mais quem atravessando o pólo norte de lá pra cá - só porque tinham uma biblioteca ruim em casa. Se tivessem as obras completas de Simenon não fariam isso. Acredite, uma simples coleção de DVDs teria evitado o afundamento trágico do Shackleton.
Oh, mas o cinema. Sim, o cinema. Cinco vezes em seis você sabe que vai sentar perto de alguém que fala alto. Na sexta vez é alguém que fede. Minha lembrança de ter ido ver “O Senhor dos Anéis I” é a de ter sentado do lado de um gordo de bermuda que fedia a pano molhado. Primeiro a minha namorada sentou do lado dele, depois pediu pra trocar sem explicar o motivo.
Meu ideal era arranjar uma namorada que gostasse de ficar em casa, mas eis a regra: mulheres bonitas gostam de sair, justamente porque são bonitas. Mulheres feias é que gostam de ficar em casa (justamente porque são feias). Talvez eu pudesse encontrar um meio-termo, uma mulher mais ou menos, que gostasse de ficar no jardim, sei lá eu. Ou, melhor ainda, uma mulher linda que se achasse horrorosa, que tivesse alguma espécie de trauma com relação à aparência. Eu nunca diria o quanto ela é linda. Não, não. Ela perguntaria se é bonita e eu esperaria cinco segundos, simulando constrangimento, antes de dizer: “Que é isso, até que você é bonita.” Dando um tapinha no ombro dela para animá-la. Há muitas mulheres assim, as mulheres lindas têm todo tipo de insegurança, vocês é que estragam tudo dizendo o tempo todo que elas são lindas.
***
Pessoas que dedicam blogs inteiros a sexo. Sexo é bom, ok, mas amendoim também é bom e eu não vejo blogs inteiros dedicados ao amendoim. “Ah, está comparando sexo com amendoim, é maluco”. Bom, amendoim é mais barato. Se você encontrar uma prostituta que cobre tão pouco quanto um saquinho de amendoim japonês Yoki, advirto-o que fuja, porque ela não só deve ser velha e feia como deve ter várias doenças impressionantes, incluindo dança de São Vito e radioatividade. “Se você faz essa comparação é porque não sabe” (atenção para o sotaque carioca, em que cada vogal é seguida pelas outras quatro – “e” se tornando “eaiou”, “a” se tornando “aeiou”, etc) “trepar” (uma palavra inventada por roteiristas de cinema nacional circa 1972).
Eu, não sei treaiuopaeiuor? Não, é você que não sabe comer amendoim. E quero ver você se divertir com a sua prostituta radioativa sentado no sofá enquanto vê “Notting Hill” do jeito que eu me divirto com um saquinho de amendoim sentado no sofá vendo “Notting Hill”. Assim que ela começar a se sacudir com os espasmos da epilepsia e o olho de vidro dela quicar na sua barriga você vai se arrepender de não ter gasto os seus R$3,10 num saquinho de amendoim, posso garantir. (Pessoalmente prefiro castanha de caju, mas estou saindo um pouco do assunto.)
Pode ser o melhor dos escritores, na hora de escrever sobre sexo escreve mal. John Updike, por exemplo; apesar de alguns livros ruins é um escritor muito bom, cuja habilidade foi elogiada por Nabokov. Mas, mas, mas. Estou vendo aqui uma passagem dele que concorreu ao Bad Sex Awards, aquele prêmio criado pelo filho de Evelyn Waugh, o jornalista e polemista Auberon, para “chamar atenção para o uso grosseiro, vulgar e freqüentemente perfunctório de passagens redundantes de descrição sexual no romance moderno, e desencorajá-lo”.
Updike começa falando muito bem sobre “seis ou oito corvos” que batem contra os galhos de um carvalho muito alto, o que faz com que o personagem, deitado na grama com uma mulher, sinta o coração acelerar. Achei esse trecho realmente bonito. Mas daí o personagem olha para baixo, e Updike esculhamba tudo. É impossível, digo-vos, escrever uma frase não-ridícula com as palavras “o meu pau” no meio – idem para “o pau dele”, claro, ou qualquer, aaagh, ugh, “pau” - mesmo sem os adjetivos “túrgido” ou “impávido” acompanhando. Quando for rico, oferecerei um milhão de reais para quem conseguir fazer algo do tipo sem me fazer soar o alarme (túrgido, túrgido) da vulgaridade.
E o ganhador do prêmio no ano passado foi Tom Wolfe, com um trecho em que, aparentemente, os dedos de um sujeito chamado Hoyt foram parar debaixo do elástico da calcinha de uma mulher que eu não sei o nome, “geme geme geme geme geme”, escreveu Tom Wolfe cinco vezes, “fez Hoyt enquanto ele deslizava deslizava deslizava deslizava”. Note que Wolfe só repetiu “deslizava” quatro vezes. Ah, nada é por acaso na arte da prosódia.
Existe uma proibição, sim, em relação a se falar sobre sexo, mas é uma proibição natural: para que ninguém falasse do assunto, Deus fez com que o sexo fosse ridículo.
***
No final da visita uma tia minha me segurou na mão e disse: “E você cuidado, recebi uma inspiração, você é muito invejado...”
Que superstição, a inveja. Essa é a única religião das mulheres. Elas podem se dizer protestantes, judias, shintoístas, o que seja; tudo isso é superfície. Na verdade só acreditam em Inveja. Quando me dizem que a samambaia secou porque a vizinha do 171 olhou com inveja o arranjo floral, e eu digo que inveja é superstição, elas me olham com raiva de pequenas torquemadas.
E talvez um pouquinho de pena. Não fui iniciado nos Mistérios do Olho Gordo... Como um adulto que não vê fadinhas, não vejo inveja em parte alguma. Entro numa casa em que não vejo absolutamente nada para ser invejado, e a dona da casa pendurou alguma coisa, em algum lugar, “contra a inveja”. Estou falando sério, é a religião das mulheres...
(Publicado originalmente na edição 36, de dezembro de 2005, da revista Semana 3)
Nunca entendo o motivo das pessoas saírem de casa. Suponho que tenham casas ruins. Aquela multidão de pessoas na avenida, paradas vendo teatro de rua ou coisa que o valha, todas com casas ruins. Aquelas pessoas paradas no shopping vendo a tevê que fica na vitrine, o que diabos é aquilo? Amundsen e Scott e sei lá mais quem atravessando o pólo norte de lá pra cá - só porque tinham uma biblioteca ruim em casa. Se tivessem as obras completas de Simenon não fariam isso. Acredite, uma simples coleção de DVDs teria evitado o afundamento trágico do Shackleton.
Oh, mas o cinema. Sim, o cinema. Cinco vezes em seis você sabe que vai sentar perto de alguém que fala alto. Na sexta vez é alguém que fede. Minha lembrança de ter ido ver “O Senhor dos Anéis I” é a de ter sentado do lado de um gordo de bermuda que fedia a pano molhado. Primeiro a minha namorada sentou do lado dele, depois pediu pra trocar sem explicar o motivo.
Meu ideal era arranjar uma namorada que gostasse de ficar em casa, mas eis a regra: mulheres bonitas gostam de sair, justamente porque são bonitas. Mulheres feias é que gostam de ficar em casa (justamente porque são feias). Talvez eu pudesse encontrar um meio-termo, uma mulher mais ou menos, que gostasse de ficar no jardim, sei lá eu. Ou, melhor ainda, uma mulher linda que se achasse horrorosa, que tivesse alguma espécie de trauma com relação à aparência. Eu nunca diria o quanto ela é linda. Não, não. Ela perguntaria se é bonita e eu esperaria cinco segundos, simulando constrangimento, antes de dizer: “Que é isso, até que você é bonita.” Dando um tapinha no ombro dela para animá-la. Há muitas mulheres assim, as mulheres lindas têm todo tipo de insegurança, vocês é que estragam tudo dizendo o tempo todo que elas são lindas.
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Pessoas que dedicam blogs inteiros a sexo. Sexo é bom, ok, mas amendoim também é bom e eu não vejo blogs inteiros dedicados ao amendoim. “Ah, está comparando sexo com amendoim, é maluco”. Bom, amendoim é mais barato. Se você encontrar uma prostituta que cobre tão pouco quanto um saquinho de amendoim japonês Yoki, advirto-o que fuja, porque ela não só deve ser velha e feia como deve ter várias doenças impressionantes, incluindo dança de São Vito e radioatividade. “Se você faz essa comparação é porque não sabe” (atenção para o sotaque carioca, em que cada vogal é seguida pelas outras quatro – “e” se tornando “eaiou”, “a” se tornando “aeiou”, etc) “trepar” (uma palavra inventada por roteiristas de cinema nacional circa 1972).
Eu, não sei treaiuopaeiuor? Não, é você que não sabe comer amendoim. E quero ver você se divertir com a sua prostituta radioativa sentado no sofá enquanto vê “Notting Hill” do jeito que eu me divirto com um saquinho de amendoim sentado no sofá vendo “Notting Hill”. Assim que ela começar a se sacudir com os espasmos da epilepsia e o olho de vidro dela quicar na sua barriga você vai se arrepender de não ter gasto os seus R$3,10 num saquinho de amendoim, posso garantir. (Pessoalmente prefiro castanha de caju, mas estou saindo um pouco do assunto.)
Pode ser o melhor dos escritores, na hora de escrever sobre sexo escreve mal. John Updike, por exemplo; apesar de alguns livros ruins é um escritor muito bom, cuja habilidade foi elogiada por Nabokov. Mas, mas, mas. Estou vendo aqui uma passagem dele que concorreu ao Bad Sex Awards, aquele prêmio criado pelo filho de Evelyn Waugh, o jornalista e polemista Auberon, para “chamar atenção para o uso grosseiro, vulgar e freqüentemente perfunctório de passagens redundantes de descrição sexual no romance moderno, e desencorajá-lo”.
Updike começa falando muito bem sobre “seis ou oito corvos” que batem contra os galhos de um carvalho muito alto, o que faz com que o personagem, deitado na grama com uma mulher, sinta o coração acelerar. Achei esse trecho realmente bonito. Mas daí o personagem olha para baixo, e Updike esculhamba tudo. É impossível, digo-vos, escrever uma frase não-ridícula com as palavras “o meu pau” no meio – idem para “o pau dele”, claro, ou qualquer, aaagh, ugh, “pau” - mesmo sem os adjetivos “túrgido” ou “impávido” acompanhando. Quando for rico, oferecerei um milhão de reais para quem conseguir fazer algo do tipo sem me fazer soar o alarme (túrgido, túrgido) da vulgaridade.
E o ganhador do prêmio no ano passado foi Tom Wolfe, com um trecho em que, aparentemente, os dedos de um sujeito chamado Hoyt foram parar debaixo do elástico da calcinha de uma mulher que eu não sei o nome, “geme geme geme geme geme”, escreveu Tom Wolfe cinco vezes, “fez Hoyt enquanto ele deslizava deslizava deslizava deslizava”. Note que Wolfe só repetiu “deslizava” quatro vezes. Ah, nada é por acaso na arte da prosódia.
Existe uma proibição, sim, em relação a se falar sobre sexo, mas é uma proibição natural: para que ninguém falasse do assunto, Deus fez com que o sexo fosse ridículo.
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No final da visita uma tia minha me segurou na mão e disse: “E você cuidado, recebi uma inspiração, você é muito invejado...”
Que superstição, a inveja. Essa é a única religião das mulheres. Elas podem se dizer protestantes, judias, shintoístas, o que seja; tudo isso é superfície. Na verdade só acreditam em Inveja. Quando me dizem que a samambaia secou porque a vizinha do 171 olhou com inveja o arranjo floral, e eu digo que inveja é superstição, elas me olham com raiva de pequenas torquemadas.
E talvez um pouquinho de pena. Não fui iniciado nos Mistérios do Olho Gordo... Como um adulto que não vê fadinhas, não vejo inveja em parte alguma. Entro numa casa em que não vejo absolutamente nada para ser invejado, e a dona da casa pendurou alguma coisa, em algum lugar, “contra a inveja”. Estou falando sério, é a religião das mulheres...
(Publicado originalmente na edição 36, de dezembro de 2005, da revista Semana 3)
2 Comments:
mto bom! essa misantropia temperada com sarcasmo é uma experiência realmente catártica.
Meu deus, como isso aqui é divertido.
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